Pai e mãe
- Você que ainda não fez os semelhantes compreenderem o valor de uma manga suja. Oh! Invisível criatura de livre cotidiano.
Faz cara de astro no espelho. Você nunca trabalhou para criar os filhos, isto é raro e honesto quando uma das partes triunfa. Se salário houvesse apenas por existir você seria ainda o trabalhador de rotina. Na espreguiçadeira o homem em casa lembra um bem suplementar na melhor rotina natural entre família.
Depois o cristalino de narciso é implacável. Mirando-se deixou cair os braços quando percebeu avelhantado sua fisionomia de “Scooby Do” com “Cauby” resultando num perfeito “Cauby Do”. O espelho tudo adapta. A mistura aflige o pai que corre das panquecas para o hospital porque um dos monstrinhos colocou vidro na boca.
No emprego digital a mãe palpita superprofissional as seguintes letras que manda divulgar: o Autor deseja revelar sem preconceitos a real importância da frase dos outros na vida do roteiro. Justo quando um dos seus filhos “stein” mastiga vidro no quintalejo da Glória. No escritório ela trabalha o dia inteiro imersa na garimpagem de romances infestados de bombachas gigantes dos velhos ciclopes. Desabafa: quanto mais urbana fica, mais rural lhe aparece! Sem saber de nada até o telefone celular tocar a canção floreada de mugido guapo.
- Alô! Aqui é o Aderbal.
-Pode falar amor. Amorzinho...
- Catilina mastigou vidro quebrado, Mordeu o vaso da sala.
-Por Osíris, Aderbal!
-Por sorte trata-se de caco na asa do nariz.
Ser pai e mãe é trabalho natural. O primeiro trabalho humano de livre especulação porque só existe especulação na fragilidade. É incrível que a tarefa comunal (o que vamos comer hoje à noite?) da alimentação fique concentrada quase sempre numa única figura central. Esta última com poder decisório entre o churrasco e a sopa. Empreitada para singular determinação, transmitida por um só responsável e quase sempre do lar. Todos comem, mas de onde eclode o alimento básico, duramente conquistado, é assunto global para maioridade. Temperar nem se fala. Temperar é para quem sabe aguardar. Disso decorre o seguinte: quem promove a comida é o pai alimentando os filhos, jamais um cozinheiro profissional, por mais que se esforce. Há os que vomitam a salada verde optando imperativamente por risoto imaginário. O cérebro precisa funcionar para responder a cada lance inusitadamente.
Aderbal é executivo nesse trabalho considerado zero para o qual se ganha apenas duas efemérides sem distribuição de renda. Mesmo assim ele cuida do lar enquanto Chana trabalha nos romances alheios. Cuida contra a falação dos vizinhos prontos para espetar felicidade alheia com a garfada da oração. Só Aderbal que é pai e mãe ao mesmo tempo compreende o estado evasivo, cego, inútil em casa. Evolui assim: antes era teque-teque, ou melhor, vendedor ambulante, agora é executivo do lar.