A formiga e a cigarra (Paródia)
(Parodia da fábula de La Fotaine)
Era uma vez uma formiguinha e uma cigarra que, apesar das diferenças, desde muito pequenas, eram muito amigas. Era outono e a formiga sempre preocupada com a chegada do inverno, porque sabia bem o que acontecia em sua cidade quando chovia muito, decidiu dedicar-se arduamente ao trabalho. A partir daquele dia faria horas extras diárias, venderia suas férias e trabalharia o mais que pudesse, inclusive em serviços extras que poderia desenvolver em casa, tudo isso para garantir um cofre cheio para a temporada de chuvas.
A cigarra, no entanto, pensava diferente, ou melhor, nem pensava em nada além de curtir a vida:
- Qualé mulher!!! Tu tem é que aproveitar o hoje, o agora. Amanhã é outro dia, outra história. Viver um dia de cada vez é a coisa certa a se fazer!
Mas a formiga não pensava assim e mergulhou fundo no trabalho. Depois daquele dia não teve mais tempo para nada e nem para ninguém, seu nome era trabalho, e seu sobre nome era sempre.
Enquanto isso a cigarrinha farreava, não perdia uma festa sequer, bebia todas, contemplava o pôr-do-sol, recebia, ainda acordada, o sol que nascia, visitava os amigos, viajava, enfim, praticava toda a rotina de uma vida solteira e sem compromisso.
Chegado o inverno, a cigarrinha, de casaco de pele caríssimo, de perfume Giorgi Armani e maquiada com Lancome chegou na casa da amiga para se despedir e chocou-se ao encontrar apenas a mamãe formiga a chorar e lamentar-se.
A formiguinha havia sido despedida uma semana após a conversa inicial desta fabulosa fábula. O seu superior na fábrica havia aplicado um golpe na empresa e pusera a culpa na pobre coitada, impondo-lhe uma chantagem. A formiguinha foi demitida por justíssima causa, não recebendo nada, nada, nada de indenização, conforme prega o art. XXX, § 3º, inciso 2º, Linha 201º, Vírgula 30 (ao canto da página) da Lei 1.876/46:
“É dado como justa causa as demissões por ocasião de furto do funcionário para com a empresa e não se fala mais nisso.”
O seu superior (autor do golpe), ficando sensibilizado com a situação da pobre coitada, conseguiu com a presidência da empresa, que lhe fosse liberado o Seguro Desemprego. Saindo da empresa a formiguinha foi então dar entrada no benefício, e durante uma semana ela foi à Caixa Econômica até que encontrou seu nome na folha para receber a bagatela no dia seguinte. Assim, preferiu dormir na porta do Banco para que fosse a primeira a ser atendida. Fez amizade com três senhores, duas mulheres e cinco adolescentes que lá já estavam, todos com o mesmo intuito, porém é grande o coração desse povo brasileiro, e ficaram amigos, quase uma família. Em menos de três horas todos já conheciam as desventuras de todos.
Nessa noite, a formiguinha sofreu uma parada cárdio-respiratória-vascular-intrauterina, que segundo o médico legista, foi causada pelo uso de ácido sulfúrico na fábrica de chapéus em que trabalhava. A sua nova família ainda levou-a ao hospital, na urgência pediram que aguardasse pois o médico plantonista havia saída para jantar e retornaria em uma hora. A pobre formiga não resistiu e veio a falecer.
- Mas e você, Cigarrinha, para onde vai tão bem vestida? – indagou a mãe da finada, esquecendo a dor e adquirindo um certo ar de malícia.
Eu conheci Jorgh Alfred Hilfren na praia, no começo do outono passado e nos apaixonamos logo de cara. Jorgh é muito romântico e, como todo alemão, é ligado às coisas do coração. Dessa forma, decidimos nos casar em Dachau.
A formiga mãe, com olhos que derramavam inveja, cumprimentou a cigarrinha que partia rumo a felicidade.
(Moral da história: No Brasil, o trabalho dignifica.. Dignifica... Dignifica o que mesmo?)