SENTA NO CHÃO !
Dandão era o tipo do malandro bem arrumado. Cabelo penteado a creme com leve topete e costeletas, sem pelo nas ventas, paletó de linho branco, camisa clara de algodão, cueca samba-canção de tricoline, calça de casimira inglesa, sapato café-com-leite. Às vezes com às vezes sem gravata, de tons claros e pasteis, dependendo do evento ou da autoridade, porque as aparências não enganam.
Daquela vez foi com gravata, porque era um chamado do Delegado. E o delegado era o Coronel Machadinho. A autoridade, nova na cidade, mas já famosa pela passagem em outros municípios vizinhos, o havia intimado por conta de uns petelecos dados na patroa. Não que ela tivesse feito queixa, que mulher de Dandão tinha de agüentar firme o rojão, mas a vizinhança abelhuda sempre metia o bedelho. Aí veio o camburão, mas Dandão não pode esperar, tinha compromissos. Fizeram somente o B.O. e deixaram o resto para os tramites normais em mãos do Delegado.
Dandão chegou à delegacia sozinho, não quis levar advogado. Afinal estava fora do flagrante delito, se é que havia cometido um. A ante-sala estava vazia e demorou um pouco para alguém aparecer. Dandão foi até o sanitário. Retocou-se no espelho, ajustou a indumentária e voltou à espera. Detetive Romualdo já voltara do lanche. A porta do delegado continuava fechada como sempre. Um silêncio perturbador envolvia o recinto. Detetive adentrou o gabinete e veio com a ordem exclamada:
- Coronel mandou entrar!.
Dandão levantou-se de pronto e caminhou rápido até a porta entreaberta; empurrou-a e logo defrontou-se com a mesa-alta sobre um tablado de um palmo-e-meio, símbolo do poder daquela figura folclórica.
Delegado, com olhos postos sobre a mesa lendo algum papel, não respondeu a saudação do entrante, porque era meio-surdo ou porque não se dignou a tal. Podia-se vislumbrar o semblante grave que sempre carregava em sua lida diária com a ordem e os costumes.
- Coronel, o senhor mandou me chamar. Estou aqui. Avisou pausadamente Dandão. Após breve espera, Machadinho, olhando por sobre os óculos vociferou:
- Sente-se aí !.
Dandão espantou-se com a ordem. Olhara para frente, para trás e para lados e não vira cadeira, banco ou algo onde pudesse sentar. Com a humildade e respeito que lhe convinha naquele momento difícil, retrucou:
- Mas Coronel, não há nada nesta sala para se sentar !.
Coronel colocou os seu dois olhos zangados sobre o interlocutor e bradou sem dó e piedade:
- SENTA NO CHÃO !, porque meliante e vagabundo que bate em mulher, na minha presença, senta no chão !.
Coronel Machadinho tinha aquela autoridade toda. Tanto que Dandão derrubou-se no assoalho da sala com seu terno claro, de olhos arregalados pelo susto que levou com a inusitada atitude do delegado.
Pois foi daquela forma, olhando de baixo para cima e ouvindo a reprimenda do Coronel, que Dandão passou mais de hora naquela posição vexatória e desconfortável, tudo presenciado pelo escrivão que registrou a audiência sem esconder nenhum detalhe.
Não passou disso, pois aqueles eram tempos onde o sujeito batia no que era dele. Dandão não teve maiores complicações, mas não mais bateu em mulher, pelo menos enquanto aquele delegado permaneceu na cidade. O fato ganhou domínio público. A habilidade daquela autoridade pública para lidar com criminalidade e a contravenção usando do seu poder discricionário ficou, também, muito conhecida e temida em toda a região.