VAIDADE, VAIDADE, TUDO É VAIDADE
"Vanitas, vanitatum,
et omnia vanitas."
(Eclesiastes, 1, 2).
Ando escrevendo coisas aborrecidas e penso que é porque ando macambúzio, (com acento, pela velha ortografia), em razão de alguns fatos sorumbáticos que não valem a pena aqui registrar.
Os poetas tem mais alegria e conseguem captar com persepção especial o lado belo, harmonioso e feliz das situações.
Disso, tão obvio, dei-me conta ao ler o poema "Pedras", do bom Bizú, aqui do recanto.
Com a sua licença, transcrevo trecho:
"Há pessoas
que são como pedras,
deixadas ao tempo.
...
Cruzar com uma delas,
nos tira da indiferença.
Ninguém se almoda
as suas arestas.
...
Há pessoas
que são como plumas
a vida toda."
Eliezér, meu irmão, amigo e parente distante, é pluma, em qualquer situação.
Sempre pronto pra servir, mas a seu modo estabanado. E como pluma nos coça, nos faz espirrar, sorrir e assim por diante.
Foi o que ocorreu numa situação inusitada, embora outras já tenham acontecido com ele e foram no recanto registradas.
Morreu um conhecido, vaidoso, que não revelava a ninguém a sua calvice.
Questão de orgulho, futilidade sem conseqüencia.
Mas, sendo a vida de termo limitado, não tem limite a vaidade do homem.
Frivolidade que dura mais do que nós mesmos; e que, até se introduz nos apararatos últimos da morte.
Mathias Aires (1705/1763), que não é só nome de rua em São Paulo, mas filósofo brasileiro, é quem dita a lição:
"Vivemos com vaidade, e com vaidade morremos; arrancando os ultimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa funebre, como se em hora tão fatal o morrer não bastasse para ocupação: nessa hora, em que estamos para deixar o mundo, ou em que o mundo está para nos deixar, entramos a compor, e a ordenar o acompanhamento e assistencia funeral; e com vangloria antecipada nos pomos a antever a cerimonia, a que chamam ultimas honras, devendo antes chamá-la vaidades últimas." (Reflexão sobre a vaidade dos homens; Mathias Aires; editora Escala).
A citação é necessárias para se entender o que vem a seguir.
Mas também vaidade minha, pobre sujeito metido a escritor.
Morto nosso conhecido, rapidinha choradeira dos parentes, logo a se confronta a familia com uma situação da vaidade.
Que era dar ao morto a aparencia de teatro.
Apresentá-lo com cabelos, como sempre se mostrou.
A proposta era enterrá-lo com a peruca, tão moldada a ele, tão antiga que muitos seriam capazes de jurar que nascera com ela.
Foi esta a razão que levou a viuva procurar Eliezér:
____ Voce já foi barbeiro. É capaz de fazer algo para que a peruca fixe na cabeça do coitado e não caia ou saia para os lados durante as cerimonias. Se vivo fosse, ele ficaria muito chateado com a situação!
Eliezér tentou fugir, mas a insistência foi maior.
Como sempre, acabou cedendo.
Depois do corpo vestido no terno, arrumado no caixão, coberto com flores, Eliezer pediu licença para ficar sozinho com o falecido.
Minutos depois voltou para liberar:
____ Podem chorar a vontade, podem balangar, chocalhar, pisotear no caixão que a peruca não sai do lugar de maneira alguma.
De fato.
Nenhum carinho tirou a peruca do lugar.
Parentes e amigos acariciavam o morto, passavam-lhe as mãos pelos seus cabelos, entrelaçavam os fios falsos entre os dedos e a peruca não se moveu um milimetro.
Consta até que um neto, da pá virada, chegou a puxar a peruca do avô, velha arte a que estava habituado.
____ Pare com isto moleque, - ralhou a mãe -, senão não vai passear no cemitério!
Depois do funeral a viúva veio agradecer.
Trabalho perfeito, nenhuma objeção.
Ofereceu pagar pelo trabalho.
___ Não foi nada não. Apenas um derradeiro favor a um amigo...
A viuva insistiu.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Eliezer não teve como escapar:
____ Então faça o seguinte... Pague só a caixa de tachinhas que usei e tá tudo certo...
Mas tarde, justificou comigo:
____ Tem gente que por vaidade, tá até enterrando parente com prego fincado na cabeça!
Araçatuba-SP, 06 de março de 2009
Samuel Sajob
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