CONTRATANDO UMA EMPREGADA
Minha mãe é uma baixinha de um metro e cinqüenta e cinco de altura, mas que, segundo folclore da família, pode chegar até três metros se lhe “torrarem” a paciência. A partir daí, - sai de baixo!- pois com certeza sua ironia fina acompanhada de uma fachada de extrema gentileza, rouba a cena. Quem for capaz de entender, remói uma raiva eterna e quem for muito simplório, por certo ficará sem entender “bulhufas” o que aconteceu...
Certo dia ficou sem empregada e tratou de espalhar entre as amigas a sua disponibilidade de estar contratando uma boa doméstica que fizesse o serviço da casa. Deixou claro que queria pessoa de boa índole, honesta, caprichosa e trabalhadeira. Sabedoras do nível de exigência de minha mãe, as amigas se esmeraram nas recomendações às suas serviçais para que enviassem alguém de gabarito que estivesse disponível e fosse da confiança das mesmas.
Foi assim que chegou Dora, uma candidata com boas referências, recém chegada da capital e com fama de haver trabalhado em casa de “famílias finas”,
No dia marcado, chegou pontualmente para conversar e tratar o novo emprego, Muito arrumada, tocou a campainha e foi atendida por minha mãe que a levou até a varanda para conversar. Feitas as perguntas preliminares, Dora tomou a rédea da entrevista e passou à condição de entrevistadora da pretensa patroa. E partiu a inquirir minha mãe sobre hábitos da família, marcas de produtos usados para limpeza enfatizando que só usaria determinadas marcas reconhecidamente de ótima qualidade. Disse também que não aceitaria como parte do trabalho levar o lixo para a calçada e que para isso minha mãe deveria ter um empregado que o fizesse. Determinou que tinha dias certos e estabelecidos para a limpeza da casa e que só aceitaria o emprego se suas regras fossem aceitas sem discussão. E por aí foi, fazendo sua resenha sobre direitos e deveres, e colocando exigências pessoais num trabalho que, decididamente, era território do empregador.
Minha mãe foi ouvindo aquilo tudo, e a paciência a cada minuto diminuindo. Mas a segurança da empregada era tanta que extrapolava a sua capacidade de reagir. Por fim, a candidata pediu para conhecer a casa para saber se lhe interessaria trabalhar ali.
Minha mãe já estava muda nesse momento e da irritação passara à ironia, já “bolando” algo tão estapafúrdio como aquela situação para dar-lhe o devido troco. Não teve dúvida. Levantou, convidou Dora para conhecer a residência e depois a levou até a cozinha onde lhe serviu um café em bandeja de prata dizendo-se encantada com tanto profissionalismo. Começava aí o seu projeto de revide.
Depois de adular bastante a candidata ao emprego, acenou-lhe um belo salário imediatamente aceito por Dora, que nunca tinha ouvido falar em semelhante quantia. E acertaram que começaria na segunda-feira, dia internacional do começo de todas as coisas que, fatalmente, não se concluem...
Cheia de mesuras, encaminhou a empregada -já nessa hora se sentindo vitoriosa - até o portão, onde se despediu assegurando-se da vinda da mesma na próxima segunda-feira. Fechou o portão e, já ia saindo, quando a chamou de volta e, do outro lado lhe disse:
-Esqueci de lhe perguntar uma coisa muito importante!
A moça parou e permaneceu atenta ao que seria perguntado.
Calmamente ela lhe disse:
-Não lhe perguntei se você sabe tocar piano...
A outra ficou uns segundos sem entender, até que conseguiu dizer que não.
Foi aí que minha mãe desferiu o seu golpe de mestre e mostrou a sua marca registrada:
-Ah! Então sinto lhe dizer que infelizmente não vai dar para contratá-la, POIS AQUI EM CASA TEMOS O COSTUME DE FAZER AS REFEIÇÕES AO SOM DE PIANO!...
E entrou rapidamente, sem mais nada acrescentar... Se a dona entendeu alguma coisa, isso é coisa que nunca ficamos sabendo.
Mas que minha mãe ficou de alma lavada... Ah!... Disso não se teve dúvida alguma!...
(CONTO VERÍDICO)