Enivalda e Franilsson em : " Homem com pegada" 
 
Enivalda falava de Franilsson à patroa, mas ela parecia ter parado na descrição sobre a barba por fazer do rapaz:
 
-E em que seu ex-namorado trabalha?- quis saber a patroa.
 
-A senhora já deve ter visto o Franilsson por aí.Ele é porteiro do condomínio ao lado.
 
O toque do telefone interrompeu a conversa das duas.Era Marcinha, a melhor amiga de Juliana.
 
A diarista voltou as suas tarefas, pensando na conversa que acabara de ter com a patroa desejando um dia ser agraciada por um namorado que fosse realmente um metrossexual ou um bissexual, embora não tivesse certeza do que a última palavra significasse.

- Enivalda, eu vou dar uma saidinha.Quando terminar a faxina, já sabe, deixe a chave na portaria, por favor! Bom final de semana para você.
 
-Pode deixar, Dona Juliana.Bom final de semana pra senhora também.
 
Dentro do elevador, Juliana ajeitou os seus alvos cabelos e conferiu o batom.Sentiu-se bonita.
 
Ao chegar na portaria do prédio da amiga, o porteiro, como de costume, perguntou o número do apartamento:
 
-Nossa, como pode! Eu esqueci o número do apartamento da minha melhor amiga!
 
-Não tem problema, senhora.Qual é o nome da moradora?
 
-Marcinha, digo, Márcia.
 
-Ah, sim.D.Márcia mora no 507.Vou anunciar a senhora...
 
-Espere! Preciso agradecer a sua gentileza...Como é mesmo o seu nome?
 
-É Franilsson...Seu criado, às suas ordens, madame!
 
-Bonito nome, hein? É novo por aqui, não é?
 
-Sou sim, senhora.Eu trabalhava num outro prédio ...errrr...Vou anunciar a senhora agora, tá bem?
 
-Ah, olha só...A hora passou e eu nem vi.Passo outra hora aqui de novo pra falar com minha amiga!.Lembrei que tenho um compromisso! Tchau, Franilsson!
 
-Já voltou, Dona Juliana?
 
-Sim, minha querida.Só fui até à banca de jornal, mas não tinha a revista de Arquitetura que eu precisava...Se bem que acabei de ver uma escultura belíssima, belíssima...rs
 
Sempre que sua agenda permitia, Juliana visitava a amiga, demorando-se na portaria, puxando o papo com Franilsson.O porteiro podia ter pouca instrução, desajeitado, mas era inegavelmente bonito. “Com um banho de loja esse homem vira um deus grego!” – pensou.
 
A descrição que Enivalda havia feito sobre ele (barba por fazer, grande apetite sexual e livre de frescuras) instigou a libido da arquiteta.
 
Tantas visitas depois, Franilsson que estava com o coração partido pelo fim do namoro com a diarista, deixou-se levar pela sedutora visitante.
 
-Se a Enivalda não me quer, paciência...E pensar que fiz tudo por ela, até calcinha me pinicando usei!
 
Pouco tempo depois, Juliana dizendo-se afetada pela crise, dispensou os serviços da faxineira:
 
-Assim que as coisas melhorarem eu te contrato de novo, ok?Não fique chateada comigo, sim, Enivalda? Você é otima!
 
 
-Uau, Franilsson...Você tem pegada, hein?Quer subir?
 
Quando amanheceu, a moça abriu os olhos e não viu o porteiro na cama. Achou melhor.Não queria compromisso sério com um rapaz tão ignorante. O que as amigas iriam pensar dela?
 
Assustou-se quando viu pela casa toda, inclusive no sofá de couro claro, no piso de mármore importado, manchas de tinta preta que imitavam os passos humanos.Seguiu a trilha até a cozinha, onde elas acabavam. Encontrou na mesa o seguinte bilhete mal escrito:

 
“Bom dia mel amour ...deul um trabaio deichar essas manxas de tinta ólhio na sua caza.Mais sou um homi apaichonado, fasso tudo por amour.Deichei essas pegada, pra vosse num si esquesser de mim.Gostou? Sou ou num sõ um homi de pegada?
 
 


(Maria Fernandes Shu – 25 de março de 2009)
 
 
 
* Texto inspirado no comentário do recantista Antonio Maria Santiago Cabral  ao meu texto "A artesã": "De onde se comprova que há mulheres que são verdadeiros vulcões adormecidos. Despertá-los é função dos homens inteligentes, persistentes e, como se diz vulgarmente hoje em dia, "de boa pegada". Bom conto, Shu!

O link de Antonio Maria : aqui tem trovas, sonetos, poesias, humor, contos...Qualidade garantida! Valeu, colega!

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