O PIPOCA
O PIPOCA
Naquele quarteirão da rua Piauí, onde havia a maior concentração de loucos por metro quadrado da cidade, curti meus anos dourados de infância e juventude. O Pipoca, meu vizinho, não era louco, só parecia. Italianinho da pá virada. Fazia peraltagens de envergonhar o Saci. Uma da suas era preparar um apetitoso sanduíche, cheio de pimenta malagueta e oferecer para os meninos menores. O Zé Luís, ele e eu éramos inseparáveis. A gente estava entrando na adolescência e, inevitável, na necessidade de amar.
Nisso chegou um circo na cidade. Eu, sortudo, tinha um tio que trabalhava na polícia e que me presenteou com ingressos permanentes de cortesia, que havia ganho, para quatro pessoas. Direito ao camarote. Fui todas as noites com meu irmão e mais dois amigos selecionados e fiquei apaixonado por uma artista. Menina de minha idade, cujo número consistia em subir num dos lados de uma gangorra, enquanto um adulto subia no alto de uma escada e pulava do outro lado. Ela subia, virava algumas piruetas no ar e caia sentada em uma poltrona. Numa das noites levei o Pipoca. Deslumbrados, assistíamos os diversos números, ora com as emoções que nos causavam os trapezistas, ora rindo dos palhaços, até que...é a vez de minha amada, que entra com seu traje cintilante. Deusa mitológica. Meu coração passa a bater mais depressa. Minha respiração fica ofegante. Meus olhos sequer piscam. Ela sobe graciosamente na catapulta e, repentinamente, voa como um pássaro. Perfeita aterrissagem no assento. Levanto par aplaudir. Não consigo resistir... conto para o Pipoca sobre a minha paixão. Amor de moleque se não for contado em prosa e verso não tem graça.
No dia seguinte, logo pela manhã, o Pipoca vai em casa e me convida pra montarmos um cirquinho no fundo do quintal. Topei de pronto. Afinal, se minha amada era de circo, eu também poderia ser circense.
Mil preparativos. Chamamos o Zé Luís e pedimos emprestadas as fantasias que seu carnavalesco irmão usava. Anunciamos o espetáculo pelos quarteirões.
À tarde fomos ensaiar. O Pipoca, com uma tábua e um tronco de lenha, fez a catapulta. Fiquei numa das pontas. O Zé Luís subiu no alto de uma escada. Ele pulou. Eu subi...
Acordei com a dona Júlia e o “seu” Antônio, avós do Pipoca, em desespero ao meu lado. O Pipoca, todo alegrinho, gritando: - você voou! Você voou!