VELA
VELA
Procuro nos dicionários e não encontro o antigo significado. O jovem desconhece por completo. Para ele, vela é apenas um pavio envolto por cera, ou a lona que serve para impulsionar embarcações movidas pelos ventos. Mas, até meados da década de 60, a vela a que me refiro era uma instituição obrigatória. Nenhuma menina que prezasse sua imagem saia com o namorado sem uma vela.
Atrevo-me a dar uma de filólogo e assim definir:
VELA: pessoa, em geral do sexo feminino (1) que tem por obrigação acompanhar a moça nas saídas com o namorado, a fim de empacar as bulinações. Pode ser irmã, prima, ou simples amiga da comprometida. Deve ficar atenta a qualquer investida mais audaciosa do varão. Se este tentar abusar, deve dar um jeito de impedir. Se não conseguir, deve comunicar o ocorrido aos pais ou responsáveis pela castidade e pureza da moçoila.
Sendo gênero, a vela tinha as seguintes espécies:
VELA EMBURRADA: não falava uma única palavra. O tempo todo de cara amarrada. Detestava o seu papel. Constrangia os namorados.
VELA INTROMETIDA: só ela quem falava. Os namorados ficavam mudos.
VELA TRAIÇOEIRA: acabava roubando o namorado da moça (2).
VELA AMIGA: fingia que dormia, enquanto os dois mandavam brasa.
VELA APAGADA: é como se não estivesse presente.
VELA COLETIVA: eram as freiras do colégio São Domingos, que saíam para passear com as internas (3).
No geral, a vela despertava sentimentos homicidas. Não conheço ninguém de minha geração que não teve vontade de cometer velicídio.
++++++++++
Tarde de maio. Céu azul. Pássaros cantando. O frio chegando. Tudo despertando romantismo.
No jardim da praça da fonte luminosa, sentados em um banco, estão o Zé Asdrúbal, a Leni e a vela. O Asdrúbal com máquina fotográfica a tiracolo e mostrando fotos. Passo perto e ouço a seguinte conversa;
ZÉ ASDRUBAL: - olhe que paisagem mais linda a desta foto!
LENI: - linda mesmo!
VELA: que maravilha! Imagine Zé! Você e a Leni nesse lugar cheio de flores! Na beira desse lago! Debaixo dessa árvore! Já pensopu?
ZÉ: - já! E com vê bem longe. Pelo menos uns quinhentos quilômetros de distância.
NOTAS:
(1) A vela também podia ser um irmãozinho. Esse era o pior tipo, no entanto, podia ser subornado com doces sorvetes e chocolates.
(2) conheço um casal que a mulher era a vela. Já são avós e felizes. A namorada traída até hoje está solteira. Dizem que é a última das virgens.
(3) a irmã Natividade, uma velhinha bem simpática, permitia que as meninas passeassem sozinhas com os rapazes. Fingia não ver quando iam atrás das colunas do jardim da fonte luminosa.