Pequeno Paradoxo Parte 2: Ficção
NÃO LEIAM ESSA SEM PRIMEIRO LER A PRIMEIRA PARTE.
O pássaro que ficara preso no arame logo teve sua vida de volta. Naquele mesmo dia em que o incidente ocorrera, ele decidiu voltar para a mata nas proximidades da lagoa, de onde, decididamente, nunca deveria ter saído. Ao chegar ao local, foi clamorosamente saudado e bradado como herói pelos seus amigos que ouviram por alto a notícia de sua experiência de vida. Todos estavam muito felizes com sua volta e decidiram fazer uma festa de boas-vindas para comemorar o retorno daquele que foi para a cidade em busca de uma vida melhor e que não conseguira.
Cansado de contar a história durante toda a festa, o jovem pardal estava exausto e tudo o que queria naquele momento era voltar para sua velha árvore e ter um longo e merecido descanso. Mas naquela noite, algo estava para acontecer...
Um Bem-te-vi que se auto-considerava o “manda chuva da parada” soube da notícia da volta de certo pardal e decidiu averiguar a fundo qual era o real motivo de seu regresso, já que uma vez ter deixado a floresta, um pássaro não poderia voltar sob quaisquer circunstâncias, segundo ele. O pássaro de plumagem elegante, que assistia Malhação todas as tardes da semana (sim, os pássaros assistem TV), decidiu armar uma emboscada para o pardal pródigo assim como nas pífias armações da trama preferida.
Naquela noite, objetos de valor desapareceram em um dos ninhos de uma das famílias de canário mais bem sucedidas da mata e no dia seguinte, a notícia se espalhou por toda a fauna da região. Para completar a armadilha, o Bem-te-vi deixou marcas de pegadas próximo ao ninho da vítima, com as marcas exatamente iguais às do pé do pardal e guarneceu os pertences da família sob seu ninho. Após isso, seus capangas coleiras escaparam furtivamente do local. Os curiós, curiosos que só eles, eram os primeiros a chegar na cena do crime. Os papagaios eram os fofoqueiros que propagavam a notícia por todos os lados e as corujas... bem, as corujas prestavam muita atenção.
Foram necessários dois dias de pura investigação na floresta para encontrarem o primeiro e único suspeito (é difícil achar um suspeito numa sociedade tão inocente): justamente o pardal que acabara de retornar ao antigo lar. Colocaram-no em meio a uma roda de aves para ouvir suas explicações, mas ele nada pode dizer, pois estava totalmente confuso e não sabia como se defender. Tudo estava, em até certo ponto, tranqüilo naquele pequeno tribunal até que um pássaro vociferou o seguinte insulto: “Seu HUMANO!!!” O silêncio tomou conta do lugar e todos pararam e olharam atentamente para o autor do grito e em seguida voltaram os olhos novamente ao pássaro demasiadamente injustiçado para conferir sua reação e o perceberam aos prantos (no reino animal, ser chamado de humano é a pior das desgraças, pior até que pena de morte). Logo ele que há pouco tempo atrás era chamado de desumano (notoriamente, esse é um dos mais enobrecedores elogios do reino animal). Vendo que não havia clima para ficar naquele lugar, sentiu-se traído e voltou para a cidade grande onde é melhor conviver com os riscos do dia-a-dia do que passar toda a vida com esse rótulo monstruoso.
Sei que esse desfecho não foi o que esperávamos que acontecesse, mas foi mais uma vez para justificar esse pequeno, porém profícuo paradoxo, como seria um final tipicamente humano.
Quando você estiver conversando com um amigo sobre como um animal é desumano, não estranhe se seu cachorro, que passa por ali naquele momento, der um sorriso.