Questão de interpretação
Questão de interpretação
Carne na grelha, música animada, acompanhamentos na mesa. A campainha toca:
-Querida, até que enfim vocês apareceram- diz a anfitriã. Estávamos com saudade!E como esta sua filha está crescida! Que linda!
-Linda é você, amiga, sempre tão cortez.
-Vamos entrando, entrando. Onde está o Macedo?
-Estacionando o carro, vem já.
Sentadas, as mulheres continuam o papo, ao passo que a criança corre pela casa.
-Menina me conta o segredo! Está mais magra! Logo se vê!
-Jura? Pensei que ainda nem desse para notar, afinal só perdi dois quilos e meio! Uma batalha!
-Que isso, você fica bem de qualquer jeito!
-Marcãooooooooooooooooooooooooo – grita o recém chegado!
-Fala, Macedo! Tu ta cada dia mais careca hein?
-Antes careca que barrigudo, seu viado!
-Entra logo, que a carne está queimando.
-Como andam as coisas lá no seu trabalho - pergunta o dono da casa.
-Complicadas, velhão. A crise afetando todo mundo.
-Faço uma idéia!
-Mas nós viemos aqui pra beber ou pra conversar! Assim que me recebe?
-Opa! Aqui!- apanha uma lata de cerveja.
-Dá próxima vez traz uma mais gelada, viu?
Ouve-se um ruído. A menina volta toda lambuzada de molho vinagrete, choramingando:
-O que você fez! Que vergonha!
-Relaxa! Criança é assim mesmo.
-Obrigada, amiga.Desculpa.Vou lá limpar sua cozinha.
-Cuide de sua filha, troque a roupa dela que já dou um jeito lá em dois palitos!
A conversa segue entre os homens:
-Você mente para burro, seu corno!
-Mentira nada, seu retardado.
Minutos depois, volta a anfitriã com as carnes assadas, perguntando:
-Será que a mancha de azeite sai da roupa? Judiação estragar uma peça tão bonita!
Tenho lá meus truques. Ficará nova como no dia em que foi comprada.
Horas depois, o casal e a criança vão embora. Despedem-se no portão calorosamente:
-Voltem mais vezes – diz a mulher
-Agora é vez de vocês nos visitarem.Não foram ainda em nossa nova casa – respondeu a outra.
-Deus me livre! A casa fica lá na “casa do chapéu” – caçoou Marcos.
-Você é que mora na favela!
Já na cama, comentam como havia sido o dia:
-Que saudade eu estava do Macedo, isso que é amigo de verdade! Que dia gostoso!
-Gostoso? – espantada. Faz-me rir!
-Falou que estou mais magro!
-Ela disse que é pra eu me cuidar, que corro o risco de perder o emprego, já que a crise mundial é um fato. Que maldita! Ainda reclamou da temperatura das bebidas!
-Elogiou o tempero que botei nas carnes! – disse ele.
-Insinuou que eu estava sendo traída, pois disse que você estava me tratando friamente. Arrrgh!
-Você viu como ele me ajudou lá na cozinha? Levando as carnes para assar e tudo.Gosto do jeito simples dele!
-Percebi em dado momento que ela me chamou de mentirosa...
-Agora ficamos devendo uma visita para eles.
-Você ficou louco, Marcos? A filha da mãe disse nas entrelinhas que moramos num barraco.
-Você bebeu, só pode ser!
-Acho você quem passou da conta hoje!
-Nunca vou entender as mulheres - resmunga, virando para o lado antes de dormir.
-Nem eu os homens.
(Maria Fernandes Shu – 06 de dezembro de 2008)