Tempos do BB_4_O estranho cheque
Fui funcionário do BB durante quase toda a década de 60, trabalhando em agências bancárias de cidades do interior do Maranhão. Nesse tempo, em quase todas essas cidades, quatro tipos de pessoas eram importantes: o prefeito, o padre, o delegado e os funcionários do BB que, solteiros em sua maioria, eram a esperança de bons casamentos para as famílias que possuíam filhas donzelas; além disso, boêmios por natureza ou por falta de opções de lazer, a rapaziada do BB proporcionava bons lucros para os proprietários de bares ou cabarés dessas cidades.
Eu, que tinha uma "cachaça doida", era useiro e vezeiro em "pendurar" contas nos bares e cabarés, e por causa disso não raras vezes passava por sérios apuros.
Um dia de domingo, em Santa Inês, interior do Maranhão, acordei num prostíbulo da zona do meretrício numa absurda ressaca, doido para tomar o primeiro gole, contudo, sem um tostão nos bolsos. Estava com um talonário de cheques já completamente usado, só restando mesmo a requisição para outro talonário.
Fiquei percorrendo as ruas do local, examinando com atenção as fisionomias dos donos dos bares, à procura de algum que me parecesse ganancioso e ingênuo, a minha "vítima" preferida. Encontrei um com essas características e logo entrei no bar, falando alto:
- Amigão, quero beber, mas estou sem grana. Mas sou funcionário do BB. Você aceita cheque?
O homem respondeu com um largo sorriso:
- Claro, funcionário do BB é quem manda aqui. Entre e peça o que quiser!
Com essa senha, aboletei-me numa mesa e mandei vir cerveja. Logo se acercaram as "meninas", em busca de bebida e diversão, e eu fiz a festa até umas quatro horas da tarde quando, mais pra lá do que pra cá, pedi a conta que saiu bem salgada. Sem hesitar, puxei o talonário do bolso, destaquei a requisição e garatujei por cima o valor da conta.
O homem estranhou o documento:
- Hum, este cheque está diferente dos outros...
- Trata-se de um novo tipo de cheque, meu compadre. Fica frio, tá tudo legal.
O homem convenceu-se e eu fui embora para casa.
No outro dia, às onze horas, o colega que era o chefe da Seção de Contas Correntes, telefonou-me aflito:
- Antonio, tu és maluco, cara?
- De que se trata, meu colega?
- Tem um sujeito aqui com uma tua requisição de talão de cheque, querendo sacar o valor que está rabiscado nela! Falamos para ele que aquilo não era um cheque e ele disse que vai te esperar na saída do expediente e te arrebentar de porrada!
Encrenca braba! No desespero, fui falar com o meu chefe, gente boa, casado, já entrado nos quarenta:
- Lopes, estou numa encrenca séria!
- Ha!Ha!Ha! Hoje é segunda, seria de espantar que não estivesses metido numa encrenca. Que confusão arrumaste dessa vez?
Contei-lhe a história. Ele riu muito, mas concordou que eu corria sério perigo com o furioso credor à porta do banco. Afinal emprestou-me o dinheiro.
Assim que pus o pé fora do banco, na saída do expediente, o dono do bar aproximou-se de mim, balançando a requisição do talonário na mão:
- Que brincadeira é essa? Disseram lá dentro que isso aqui não é um cheque!
Fingi inocência:
- Como? Não estou entendendo...
- Olha aí, estão dizendo que isso não é um cheque!
Peguei o papel, fingi dar uma leitura rápida, e exclamei, desolado:
- Ô, meu amigo, me perdoa, realmente houve um grande equívoco. Eu estava tão bêbado que lhe dei uma requisição de talão como se fosse um cheque. Mas, que mancada! Mas, não tem nada, não, aqui está o seu dinheiro. Desculpe o transtorno. Bebida, o senhor sabe como é...
Ao ver o dinheiro, o rosto do homem se iluminou de alegria:
- Tudo bem, tudo bem, cachaça é um caso sério. Eu estava zangado porque pensei que você me tinha feito de besta. Aí o pau iria cantar!
Suspirei aliviado. Estava livre daquela encrenca. Até a próxima...