Construção civíl-uma saga nordestina
Diz o meu amigo afro-descendente, Seilakém, que o fato é verídico. A comprovar.
Vindos do sertão do agreste, tangidos pela natureza inclemente, e as mais desumanas condições de sobrevivência, (já que o Bolsa Familia a que tinham direito foi desviado para os parentes e amigos dos mandatários do lugar, dos quais não havia como reclamar) aportaram nesta capital de Sumpaulo, (onde o primeiro encontro já lhes tirou o pouco que tinham) três irmãos,Severino, Raimundo Nonato e Edicleisson, jovens, robustos, e esperançosos de logo poder ganhar algum dinheiro (prá poder comprar um par de óculos escuros na 25 de março, um radinho de pilha importado, umas calças jeans no Brás, com etiqueta de marca a escolher na hora da compra, umas correntes de imitação de bijuteria, gossas e douradas).Depois de dois dias numa pensão infecta e cara, foram aliciados por um "gato" para seguirem a uma obra, onde pela módica quantia de 60% do salário, sem carteira, por tres meses, teriam além do emprego, um barracão para dormir, e um marmitex, além do café da manhã de R$ 1,50(à vista, prá marcar R$ 1,80) com direito a pãozinho sem manteiga.Mas tudo na vida, de ruím ou de bom, chega sempre a um fim. E depois de seis meses, já enturmados no forró lá nos fundos da Casa do Nóite, nos confins da zona leste, a sorte lhes sorriu. Conheceram tres irmãs, Jucicleide, Jocelina e Jeruza, cabritas arretadas, que já tinham emprego de doméstica (sem carteira assinada mas com direito a um quartinho pegado à lavanderia da casa de cada patroa, e só trabalhavam das 6 da manhã até as 10 da noite, após os patrões irem se deitar). Papo vai, papo vem, o selviço rendendo, os fins de semana forrózando, conseguiram um barraco na favela em Guaianazes( extremo da periferia, rua de terra, paredes de madeirit, teto de telhas recicladas do lixão, mais uns sacos pretos para evitar goteiras) e então casaram-se. Que meigo, três irmãos, com três irmãs, a vida segue enquanto mandam cartas pro Gugu(de volta prá minha terra), compram coisas pelo carnê das Casas Bahia, os filhos vão chegando, e são felizes, na medida em que isso fosse possível. Voltando ao texto, o mundo dá voltas, nossa situação é como um pêndulo, um certo dia na obra, o mais velho deles (Severino), com uma indisposição intestinal avisa que vai ao banheiro, e desce pelo elevador da obra. Por uma razão inexplicável, uma fatalidade do destino(palavras do advogado da empreiteira) uma coluna de sustentação do prédio estala, racha, e antes de qualquer reação, a estrutura vem ao chão. Acho que era mesmo fatalidade, só morreram no acidente Raimundo e Edicleisson. Reportagens, TV, programa sensacionalista, viaturas dos bombeiros, do SAMU, e os corpos são expostos ao ridículo da indigência que açula a cupidez do populacho.
Graças às pressões da mídia, e para fugir de uma devassa em seus registros, no dia seguinte, no velório, o representante da construtora, em seu discurso sôbre os desígnios do Altíssimo e da força da mão de obra nordestina no desenvolvimento e crescimento da metrópole, declara às duas viúvas, com os bebes no colo e uma barriga embuchada, acompanhadas do irmão sobrevivente e da irmã, espôsa deste que: cada familia deverá receber um apartamento de 35 metros quadrados, numa das Cohabs, Inocoops da vida, mais uma pensão de um salário mínimo por 20 anos, ou até que os meninos terminem o segundo grau(uma escola já tinha garantido vagas, uma rede de farmácias daria o material, a Prefeitura já dá o uniforme) Chôro generalizado, abraços devidamente registrados pelo repórteres, os caixões são fechados, e a mulher do sobrevivente (Jeruza) diz, baixinho, soluçando:-
É, e o bonitão, lá naquela hora, cagando?...........................
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