Meu gato, o crítico literário
Todos que me conhecem bem sabem que eu sou apaixonada pelo meu gato, um belo espécime em sua total falta de raça, embora alguns insistam em alcunha-lo como "Pêlo Curto Brasileiro". Mas quem olha o gordo deitado em berço esplendido, roncando no seu cesto de vime na frente de um ventilador ligado (pra quem não sabe, gatos roncam, sim...Deitado de barriga para cima, então, meu gato parece uma cruza de aspirador de pó com moedor de cana!!!), não imagina que ele tem um apurado gosto para literatura. Para quem já está rindo, incredulo, devo uma explicação mais detalhada...
Devido ao grande volume de material de leitura espalhado por minha casa (livros, revistas, periódicos, etc...) tenho uma certa dificuldade em encontrar locais para guardar tudo adequadamente, separando por assunto, uso constante e afins. Ou seja: está faltando estante para tanta coisa e, invariavelmente, acabo tendo algumas coisas empilhadas em alguns cantos devido a isso. Muita gente ao entrar em minha casa e ver a bicharada já fala "eles vão destruir teus livros". Que nada. Nunca aconteceu nada demais, além da destruição de algumas caixas de papelão devido a afiadas de unhas...Até o dia em que eu ganhei um livro de aniversário.
Como eu gosto de ler, um conhecido, muito prestativo me trouxe como presente um lindo embrulho colorido. Pelo formato e pela etiqueta que haviam colocado, sabia que era um livro. Toda contente, abri e...Dei de cara com um livro do Paulo Coelho. Minha cara deve ter sido algo, pois o meu conhecido disse "ué, não gostou?"
Dei um sorrisinho amarelo e admiti que não gostava de Paulo Coelho, para o horror de algumas pessoas que ouviam o diálogo. Mas, mesmo assim, agradeci o presente...Afinal, dava pra trocar, segundo o meu conhecido. Ledo engano!
No dia seguinte fui a livraria, cheia de esperanças, só para descobrir que, sem a nota não dava para trocar a porcaria do livro. Falei com o meu conhecido...E ele disse, muito sem graça, que tinha o hábito de por as notas fiscais fora. Derrotada e infeliz, joguei o livro em uma pilha e me esqueci dele por completo.
Meses depois, me mudei. E, qual não foi a minha surpresa ao começar a desencaixotar os livros e dar de cara com a "obra" de Paulo Coelho. Com um suspiro, joguei-o na pilha dos livros a serem doados para o bazar da igreja. Certamente, alguém iria se interessar e leva-lo embora de minha vida...Mas, naquela noite mesmo, meu gato resolveu bancar o crítico de literatura.
O gordo sempre respeitou meus livros e papéis em geral. Se não estavam amassados em forma de bolinha, ele nem erguia um bigode para mexer neles. Mas, qual foi a minha surpresa em encontrar o malfadado livro todo róido, rasgado e utilizado como "banheirinho". Não aguentei...Nem xinguei o gato. Caí na gargalhada, sem me conter, enquanto ele me olhava com seus plácidos olhos verdes e ar satisfeito de quem fez arte e não se arrepende nem um pouco. Após limpar a bagunça, entre risadas, me preparei para a labuta e fui abrir o consultório.
No final da tarde, um amigo meu passou no meu consutório para tomar uns mates e pôr a conversa em dia. Lá pelas tantas, contei o que havia acontecido naquela manhã e ele ficou irado, dizendo pra quem queria ouvir "Pô, o teu gato cagou num livro dum cara que faz parte da Academia Brasileira de Letras!!"
Muito calma, lá fui eu defender o meu gato, retrucando que o Sarney também faz e, nem por isso, eu iria ler "Marimbondos de Fogo"!
No fim das contas, meu amigo teve que concordar (a contra gosto) que, de certa maneira, o gordo estava fazendo uma crítica literária bem forte (e põem forte nisso...Só resolveu com meio frasco de bom ar e olhe lá!!) e o assunto sobre isso terminou por aí.
Curiosamente, o gordo nunca mais repetiu a façanha...Mas, não posso garantir que não se repita. Mas, por via das dúvidas, quando a história se espalhou, nunca mais ninguém me deu um livro do Paulo Coelho. Vai que o gordo resolvesse fazer outra "crítica literária"....