Bravura!
– Não admito covardia no meu pelotão! – vociferou o sargento, de queixo largo e acinzentado, salivando sobre a face do mancebo, enquanto este recuava ante uma ponte estreita suspensa, prestes a desabar, do alto de um profundo despenhadeiro.
– Mas... eu... temo a altura, como o diabo teme água benta... – gaguejou o soldado, desviando o olhar do superior, que o encarava de cima para baixo.
– Pois vai superar seu medo!
Aos empurrões e solavancos, o garoto percorreu o piso de madeiras envelhecidas, sustentadas por cordas não mais novas. Logo atrás, o sargento avançava como um touro “brabo”, sem insinuar qualquer vestígio de receio, mesmo com o ceder e estalar das tábuas.
“Uau! Que coragem.” – Pensou o jovem soldado, tentando concentrar-se no outro lado da ponte.
Horas mais tarde...
A tropa marchava a passos largos, quando, adiante, um grito se ouviu. Todos pararam.
O oficial, mal humorado, permeou a fila parada, aos berros:
– Quem, miserável, parou de andar!?
– Eu... se-senhor! – pestanejou o primeiro da fila, batendo continência.
– É bom que tenha um ótimo motivo para isto!
Antes da resposta do subordinado, um chocalho ecoou a centímetros do sargento.
– Eis o meu ótimo motivo! Sargento! – grunhiu, apontando tremulamente para o chão, onde uma cascavel levantava a cabeça, preparando o bote.
– Onde? – o oficial dissimulou não ver a serpente. – Ah, isto aqui não é um ótimo motivo. Sequer é um bom motivo! – exclamou com ímpeto incontido, enquanto agarrava o pescoço, e estrangulava o réptil.
Arremessou o corpo inerte e cilíndrico do bicho sobre o amedrontado soldado, que esquivou-se com um grito efeminado.
– Supere seu medo, marica! – foram as palavras do chefe.
“Nossa, que homem valente!” – Os pensamentos dos milicos cantariam em coro, tão somente pudessem ser ouvidos simultaneamente.
A passos firmes e confiantes, o pelotão marchou território inimigo adentro. Um a um os adversários foram subjugados. Uma a uma, as medalhas de bravura e honra ao mérito eram computadas para serem agregadas, tão logo retornasse para casa, à já abarrotada farda do comandante.
– Coragem! Bravura! Superação! – cantavam os homens em coro, depois de tomarem a base inimiga.
O sargento dispensou os soldados, depois de um dia longo e cansativo. Cada qual dirigiu-se ao dormitório designado, mais corajoso que no dia anterior. O oficial que, naquele dia, não superara nenhum medo, rumou para seu quarto.
Após tirar a farda salpicada do sangue inimigo e os coturnos enlameados, o homem parou no meio do quarto, preocupado.
– Coragem, homem! – repetiu a reza diária, para si mesmo. Enquanto sua cabeça balançava, hora encarando a cama, hora o interruptor da luz. – Coragem!
Com os dentes serrados, e a musculatura facial enrijecida, enrugou o nariz, fazendo uma careta de angústia, como não fizera em todo o dia de combates. Seus lábios tremiam, enquanto uma gota de suor escorria por sua têmpora esquerda.
Em um sobressalto de explosão muscular, avançou em direção ao interruptor, apagando a luz. Recuou em igual ou superior velocidade, para debaixo das cobertas. As densas trevas tomaram o lugar. Aos poucos um dos olhos do corajoso homem revelou-se por entre a única fresta que separava a segurança do interior do cobertor e o mundo exterior.
– Amanhã eu olho se há algo debaixo da cama. – suspirou. – eu juro!