Minhas Fábulas__O cachorro que falava

Josué, o ventríloquo, entrou com um cachorro carinhosamente aninhado nos seus braços, em uma quitanda de uma cidadezinha do interior do Mato Grosso.

Entrou, pediu uma cachaça no balcão, olhou em volta, sondando o ambiente. Havia umas seis pessoas no estabelecimento comercial, inclusive um tipo que ele logo identificou como um coronelão da cidade: de paletó, falando alto, revólver na cintura, camionete à porta. Subitamente, Josué falou para o dono da quitanda:

- Cachorro fala?

- Claro que não! Só se for o seu! Ha!Ha!Ha!

- Pois, meu amigo, é ele justamente que fala.

- Como é o negócio? – a essa altura todos os presentes já estavam ligados na conversa.

- Digo-lhe que o meu cachorro fala! Quer apostar?

- Topo! Dez paus!

- Feito.

Então, Josué colocou o cachorro – de pêlo branco com bolas pretas – no balcão e colocou-se junto à porta de entrada do estabelecimento. De lá, ordenou:

- Biriba! Fale!

Biriba sacudiu o rabo, olhou para o dono da quitanda, e falou:

- Como é o nome desta cidade?

- Hã? Você fala mesmo? O que disse?

- Tá surdo, cara? Como é o nome da porcaria desta cidade?

Então, estabeleceu-se um pequeno tumulto. Todo mundo se acercou do cachorro e começaram a fazer perguntas e ele respondia a todas. Coisa do diabo ou fenômeno da natureza? O certo é que o populacho estava perplexo com o fato inusitado.

O coronelão abordou Josué:

- Quanto quer pelo cachorro?

- Não vendo e nem dou o meu cachorro. Ele fala e com ele ganho dinheiro, mostrando esse fenômeno de cidade em cidade. É o meu ganha-pão.

- Dou dois mil reais por ele! É pegar ou largar!

- Mas ele pode não querer falar junto com o senhor.

- Se ele fala mesmo, vai falar junto com qualquer pessoa, ora!

Com relutância, Josué concordou. O coronelão pegou o cachorro, botou-o na boléia da sua camionete, enquanto todos, inclusive Josué, o ventríloquo, observavam da porta. O homem perguntou ao cachorro:

- Biriba, você vai continuar falando ou não?

- Vou.

O coronelão voltou-se contente para Josué, falando com a cabeça para fora da janela:

- Tá vendo? Ele não me estranhou. Tome o seu dinheiro, o cachorro agora é meu.

Josué embolsou a quantia e ficou olhando, enquanto o homem entrava na camionete, ajeitava carinhosamente o cachorro, e preparava-se para ligar o carro. Nesse momento, Biriba falou:

- Pensando bem, acho muita sacanagem o meu dono ter me vendido. Em sinal de protesto, não vou falar mais!

- Ora, não me aporrinha, diabo, ou tu continuas a falar ou te arrebento de porrada! – resmungou o coronelão. E arrancou com a camionete.

Josué tratou de escafeder-se rapidinho; tinha pressa para arranjar outro cachorro.

Cachorro fala? Coitado do Biriba, que até hoje deve estar levando porrada do coronelão.

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 04/11/2008
Reeditado em 23/11/2012
Código do texto: T1265991
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