ELE É UMA FIGURA!!!

Seu Viriato é uma figura! Todas as vezes que penso nele, fico rindo sozinha, chegando a dar gostosas gargalhadas. Geralmente ele me vem a mente próximo ao Dia das Bruxas.

No último trinta e um de outubro, a luz faltou por volta das dezoito e retornando depois das vinte horas.

Seu Viriato gostava de pregar peças nos vizinhos, nos transeuntes, principalmente nos turistas que iam visitar amigos. Ninguém imaginava que aquele senhor com mais de sessenta anos, sério, pacato, trazia em si secretamente, uma alma de palhaço. Aliás, um dos mais divertidos que conheci na minha vida.

Bréu. É assim que estava a pequena cidade, lá pelas bandas da zona da mata de Minas Gerais. Sem aviso prévio, a cidade ficou apenas com a luz da Lua e com milhares de luzinhas das estrelas cintilantes e no chão, sob gramados, podia-se ver um “chão de estrelas” de vaga-lumes. Uma graça. É um privilégio poder apreciar tão singela visão. O progresso e o exagero de produtos químicos vem destruindo esses encantadores insetos e privando-nos deste sutil espetáculo.

Bem, acontece que aproveitando-se da falta da energia elétrica, seu Viriato, não mais que de repente, correu e vestiu uma capa de chuva preta, colocou luvas igualmente pretas e uma máscara horrenda de bruxa! Foi para a frente da casa, tendo nas mãos uma pequena lanterna, ficou como uma estátua próximo ao portão. Quando vinha alguém, ele acendia a lanterna em direção ao rosto e ficava fazendo sons de voz cavernosa...

A primeira vítima foi dona Ritinha, mulher tagarela que era conhecida como “Rita-rádio-pirada”. Nunca conheci alguém que desse a notícia antes da rádio local. Quando falecia alguém na cidadezinha, lá vinha ela, a ave de mau agouro... Quando chegou próxima ao portão do seu Viriato, ao invés de gritar feito louca ou sair falando pelos cotovelos, não é a danada da mulher perdeu a voz! Não deu um pio. Mas saiu aos galopes, chegando ao seu destino em dois tempos...

Dó senti foi do Mário. Ai, meu Deus... Que pecado! Nunca ri tanto na minha vida! Era um rapaz magrela, espichado, mulato, filho de dona Zuleika, um bom rapaz. Mário tinha um problema na fala, era gago até a alma. Quando, distraído caminhava de volta para casa naquela noite, olhou para o alto do quintal do seu Viriato e começou a querer falar numa altura que a vizinhança toda veio espiar o que estava acontecendo:

-Aff ma…, aff ma… aff ma – e não conseguindo falar, deu um grito. - Ave Maria!!! Qui, qui, qui... Trem é...é...é...é...é... Esse??? - Porque gago só pega no tranco. Tem que gritar para sair alguma coisa...

A essa altura, seu Viriato já estava agoniado porque o pobre do Mário gago não engatava na marcha para falar, ficando naquela dificuldade medonha peculiar de quem sofre com gagueira. Quando um gago se encontra numa situação "sob pressão", não consegue falar coisa alguma.

Seu Viriato, sem tirar a máscara, abre o portão para acudir Mário que está a ponto de desmaiar. Só que Mário, assusta-se mais ainda temendo que aquela bruxa queira pegá-lo justo naquele dia trinta e um de outubro numa noite de total escuridão. Mário foge e seu Viriato vai atrás falando:

- Volta, seu infeliz! Calma... Espera, sô! Ô trem doido!!!

O seu Viriato não imaginou que a rua estivesse assim de gente querendo saber o motivo de tanta algazarra. Foi um Deus nos acuda quando Mário passou correndo e atrás dele aquela bruxa com lanterna nas mãos ao invés de uma vassoura. Tinha criança chorando de medo, senhoras rezando para afugentar “coisa ruim”; até seu Lorival, metido a valentão, correu para dentro de casa e por pouco não se borrou de tanto medo...

Quando viu que não ia ter jeito de parar o Mário, seu Viriato parou numa esquina. Aproveitou que não tinha ninguém por perto, tirou a capa, as luvas e máscara de bruxa. Enrolou tudo com cuidado para que ninguém descobrisse seu segredo, colocou debaixo dos braços e voltou para a rua onde morava, como se nada tivesse acontecido. Houve quem perguntasse:

- Ô seu Viriato, o senhor encontrou com o Mário pelo caminho?

- Cruzei com ele sim, mas acho que estava muito apressado, devia estar com dor de barriga, pois o infeliz corria feito louco... – dissimulou seu Viriato.

- Ué! – completou dona Zezé – O senhor não viu uma bruxa correndo atrás dele?

- Bruxa???!!! A senhora está de brincadeira comigo? Sabe que sou um homem sério e não gosto destas palhaçadas! Ora vejam só!!! – respondeu seu Viriato, entrando em casa.

Já dentro da casa, na sala, seu Viriato ficou dando risadas, satisfeito com seu feito. Ele sentou no sofá quentinho deliciando-se com mais um êxito de suas secretas brincadeiras.

Por isso que digo que seu Viriato é um dos melhores palhaços que já conheci. Com diferença, o palco do seu Viriato não é o picadeiro, mas a rua. E o espetáculo dele ninguém pode pagar, pois não tem preço. O pagamento dele é a surpresa, o improviso e nosso riso...