A colher de arroz... e a sogra!!!
Aquele dia só podia ter amanhecido chuvoso mesmo... cinza.. Maria Clara acordou de mau humor... não via a hora da semana acabar.. pois dali a uma hora sua “querida” sogra chegaria para passar a semana com eles.. Otávio Augusto, o filhinho maravilhoso que nenhuma mulher merecia, e Maria Clara, a mulher que tinha casado com o melhor homem do mundo...
Maria Clara levantou-se e enquanto tomava banho entoou um mantra... pedindo aos
Deuses que a transformassem nessa semana em um ser cândido, sereno, tolerante... Ah, Céus me presenteie com a alma de Polyana, pediu...
Dona Margarida chegou sorridente, estava morrendo de saudades de Tavinho... seu caçulinha, querido, amado... trouxe todas as guloseimas que ele gostava... bolo de fubá, farofa de carne seca, doce de goiabada... que ela mesma tinha feito... e até um frango assado!!! Para Maria Clara trouxe um porta retrato com uma foto de Tavinho bebê... assim quem sabe ela não se inspirava... Dona Margarida queria um neto...de preferência que fosse a cara de Otávio Augusto.
Maria Clara fez tudo como manda o figurino... recebeu-a bem, tratou-a com educação, muita educação, paciência... agradeceu efusivamente o porta-retrato e ouviu pela centésima vez sobre as peripécias de Tavinho na infância... Tarde da noite... todos se recolheram para dormir... Otávio Augusto agradeceu à Maria Clara o carinho que ela teve com sua mãe... não sabe de nada, pensou ela...mas respirou fundo e achou que para manter a paz em casa... o esforço tinha valido a pena...
No dia seguinte... Maria Clara já tinha reservado um restaurante para almoçarem, afinal ela não era um ás na cozinha e após uma semana cansativa de trabalho não estava disposta a por seus dotes culinários a prova...
DE JEITO NENHUM !!! Faço questão de fazer o almoço... afinal aposto que Otávio Augusto está morrendo de saudades da comidinha da mamãe... Aliás, enquanto eu estiver aqui faço questão de fazer comida todo dia, fresquinha, novinha, como o meu Otávio Augusto gosta...e merece...
Maria Clara, pensou que não fosse suportar... foi até a varanda olhou para as pessoas que passavam na rua e deu o dedo para elas... ninguém entendeu nada... mas e daí ela precisava descontar em alguém... Tudo bem, Dona Margarida... sinta-se em casa...
E assim todos os dias... Otávio Augusto almoçava a comidinha da mamãe... e Maria Clara... bem... deve ter perdido cinco quilos com tanta reclamação... nossa Maria Clara sua cozinha tá horrível... cadê a espagueteira, o martelo de bater carne, a colher de arroz... falta tudo minha filha, como você consegue cozinhar assim... O pior de tudo foi quando Maria Clara ouviu de soslaio ela reclamar para Otávio Augusto que o arroz ... até perdia o sabor... tendo que ser servido com uma colher de sopa... tramontina, daquelas de cabo plástico... um horror...
Maria Clara, queridinha... você precisa de uma colher de arroz... foram sete dias... e durante sete dias... Maria Clara ouviu essa frase... Ela até passou, por acaso, em uma loja de utensílios domésticos, mas se recusou a comprar a tal colher.
Adorei a semana mamãe... até ano que vem, não vejo a hora de tê-la novamente conosco.. Tchau Dona Margarida... até nunca... quis dizer Maria Clara, mas só disse bom retorno ao seu... SEU LAR...
...
E lá estava Maria Clara entoando o mesmo mantra... Céus como um ano passa rápido!!! Chegou a semana da Dona Margarida... o dia estava menos cinza que no ano anterior, mas o humor de Maria Clara não tinha evoluído em nada...
Olá Dona Margarida, que bom tê-la conosco novamente... Que isso querida, eu adoro isto aqui... só não venho mais vezes por causa da distância... e claro porque ainda não me deram um neto...Dizendo isso... Dona Margarida abriu a mala a fim de tirar as lembrançinhas trazidas com tanto amor para Otávio Augusto... Maria Clara olhou bem para aquela mala... e não acreditou... olhou de novo... e continuou não acreditando...tinha um objeto de metal reluzindo no fundo da mala... Ah... Maria Clara, lindinha... imaginei que você ainda não providenciou, por isso trouxe para você uma colher de arroz!!!
Naquela noite Maria Clara imaginou aquela colher como uma arma branca... aquilo era demais... na casa dela, na cozinha dela, na vida dela... ela usava a colher que quisesse.. Maria Clara era uma mulher sofisticada, inteligente, antenada com o mundo... conhecia todos os tipos de talheres... para comer camarão, peixe, lagosta, sopa e inclusive arroz... só não achava isso um problema crucial na sua vida!!! Eles iam ver só... Ela podia ser uma lady, mas também podia ser uma cachorrona demarcando território!!!
No dia seguinte, como de costume... Dona Margarida começou a preparar o almoço gostosinho e quentinho para Otávio Augusto... Maria Clara, docemente, se prontificou a ajudar... insistiu... Imagine, minha norinha querida faço questão de fazer isso pelo Tavinho... Ah.. então tá.. mas eu não abro mão de pôr a mesa... falou Maria Clara...
E assim foi feito... após duas horas... um delicioso cheirinho saía da cozinha... Querida!!! pode por a mesa... Era agora, pensou Maria Clara... algumas coisas vão ter de ficar decididas desde já... Escolheu uma bela toalha... um jogo americano que tinha ganhado de casamento, belos copos... usou até um faqueiro indiano chiquérrimo que um amigo exótico a presenteou certa vez...
Sentaram-se... Maria Clara... vc esqueceu as colheres de servir... Ah.. querido, desculpe-me... com um sorriso nos lábios e uma sensação de euforia que corria por todo o seu corpo... Maria Clara pegou as colheres... colocou o pegador de saladas na salada... a concha para pegar umas batatinhas em molho... a colher de arroz pôs no feijão... e ... enfiou, triunfantemente, uma colher de sopa ... tramontina com cabo de plástico... na tijela de arroz!!! Na sua casa... podia até ter colher de arroz... mas por enquanto... até quando ela quisesse... A colher de arroz seria usada para pegar feijão!!!
Com um apetite de leão... e diante de olhares constrangidos... Maria Clara se serviu... e, naquele momento, fez uma das melhores refeições de sua vida.