REDENÇÃO(PRIMEIRA PARTE)

Desde pequeno Tarso demonstrara ser diferente.Sua mãe,preocupada com o baixo desempenho do filho na escola resolveu procurar um psicólogo.Acabou indo a três;e obteve o mesmo diagnóstico:o menino possuía uma deficiência cognitiva,que dificultava o seu apredizado e suas relações inter pessoais.

Hoje em dia,qualquer um que tivesse um filho nesta situação procuraria tratamento especializado,mas os pais de Tarso eram "da antiga",e decidiram fazer o pior:ignorar o fato.Como resultado,viram seu filho "avançar" no tamanho e "estacionar" no juízo.

Pela ausência de monitoramento adequado,nunca se soube ao certo se as manias dele eram simples arroubos da juventude ou manisfestações do seu pequeno problema.

A primeira fixação foi por rádios de pilha.O menino só andava com o aparelho colado ao ouvido escutando futebol,música,e o que mais estivesse passando na "caixinha".Até a hora do Brasil ele acompanhava;na íntegra.Chegou,certa vez,a ficar com otite devido ao uso excessivo do apetrecho.Foi aí que seu pai tomou uma atitude:comprou-lhe uma bicicleta.A medida surtiu efeito,e Tarso ficou tão maravilhado com o "camêlo" que esqueceu o mecanismo a pilhas e abraçou a nova paixão.Em pouco tempo sua bicicleta vermelha virou lenda no bairro.Naquela segunda metade da década de setenta,não havia um vizinho sequer que já não tivesse sido atropelado por Tarso.Geralmente as "tragédias" aconteciam aos sábados pela manhã,quando as pessoas voltavam da feira carregando bolsas de compras,e o pequeno "iluminado" mostrava aos coleguinhas suas novas manobras radicais com a "magrela".Verduras,frutas e legumes pelo chão,gritos de dor,joelhos e cotovelos ralados e ameaças de linchamento passaram a ser acontecimentos corriqueiros.Até capa de jornal de bairro Tarso estampou,sorrindo,como representante genuíno da juventude transviada do subúrbio carioca.Devido as ameaças constantes a sua integridade física,Tarso foi compulsoriamente enviado à casa da avó em Minas para passar uma temporada por lá até que as coisas se acalmassem.A distância da "bike" e a inconstância da idade fizeram com que ele mudasse de paixão novamente.Encorajado por um tio avô que era ornitólogo aventurou-se na criação de canários.Ao saber da nova fixação do filho,os pais rejubilaram-se;afinal,pensaram eles,seria impossível o novo hobby do herdeiro causar algum tipo de aborrecimento.A convicção foi um pouco abalada quando Tarso retornou das férias com vinte gaiolas cheias de canários dentro de uma kombi alugada.Em pouco tempo,devido aos cuidados extremados do novo criador,a população canora da residência explodiu:tinha gaiola de canário no quintal,na sala,na cozinha,no banheiro,na área de serviço,no terraço...Havia até um deles,que era o xodó do canaricultor por ter nascido albino,cuja gaiola ficava em cima da sua mesa de cabeceira durante a noite,apesar dos protestos do seu irmão mais novo que dormia no mesmo quarto.Revoltado,o garoto queixava-se à mãe:

__Mãe;eu não aguento mais o fedor daquela gaiola do Tarso!Além disso,o canário começa a cantar as seis horas da manhã.Pôxa;é sacanangem,eu estudo a tarde!

__Não fala palavrão meu filho!__tentou educar,sem moral nenhuma,a mãe__Eu vou falar com ele,pode deixar.

Mas ela não falava nada.No fundo,a mãe tinha medo de repreeender o filho e ele arrumar uma nova mania.Os passarinhos incomodavam,é verdade,mas ainda eram melhores do que a bicicleta.

O destino,porém,interveio mais uma vez:Tarso passou a ter crises alérgicas violentíssimas.Após vários exames verificou-se que ele era alérgico a tudo que se relacionava aos passarinhos:penas,poeira dos comedouros e poleiros,jornal com que se forravam as gaiolas...A única chance para uma cura total seria o fim da criação.Sem alternativa,Tarso doou todos os canários para a associação de canaricutores do Rio de janeiro.

Após algumas dias de depressão profunda sem sair do quarto ele voltou ao normal.

Os anos passaram rapidamente e Tarso continuava o mesmo.Um dia,seu pai pediu que ele ficasse na mesa mais um pouco após o jantar.Contrariado;pois pretendia jogar videogame,ele esperou.O pai,sob o olhar surpreso da mãe,lhe disse:

__Meu filho.Você já está um homem e tem que agir como tal.Esse negócio de ficar só em casa não dá camisa a ninguém.Para o estudo você já provou que não tem vocação,por isso eu te arrumei um emprego com meu amigo Dias.Nós vamos amanhã acertar tudo.Esteja pronto as seis da matina.

Atordoado,Tarso retirou-se para dormir.Sozinhos na sala,a mãe disse ao marido:

__Querido;o Tarsinho tem problemas....

__Ele só vai carimbar papéis,pombas!__interrompeu,nervoso,o pai,repetindo seguidas vezes os gestos de quem está usando um carimbo__Com problema ou não,esse rapaz tem que começar a aprender a se virar sozinho.Nós não seremos eternos.

Apesar da preocupação da mãe tudo correu bem.Tarso foi admitido e começou a trabalhar.A firma era tão organizada que tinha até um ônibus para levar seus funcionários ao trabalho e trazê-los de volta.Todos os dias,o agora trabalhador modelo saía cedo de casa e ia esperar o ônibus da empresa no ponto.Sua mãe não cabia em si de tanto orgulho.Até um dia que Tarso chegou em casa e deu a notícia devastadora:havia sido despedido.Seu pai quase caiu da cadeira.Refeito do susto,perguntou ao filho:

__Mas por que te despediram?Você não foi até eleito funcionário do mês?

__Pois é pai,ninguém usa o carimbo melhor do que eu naquela espelunca.Não dá para entender essa gente....__respondeu Tarso,jogando-se no sofá.

__Eu vou ligar para o Dias__pegou o telefone e discou o número do amigo.Após alguns minutos de conversa,desanimado,colocou o telefone no gancho.Depois virou-se para o filho e perguntou:

__Como é que você pede um dia de folga para o seu chefe,e fala que vai fazer uma entrevista para um outro emprego?

A mãe,que estava acariciando os cabelos do filho,parou com o cafuné e inquiriu:

__Você fez isso meu filho?Diz para a mamãe,diz?

__Foi o Renalvo o culpado de tudo mãe.Ele me disse que sabia de um trabalho que pagava o dobro do nosso salário.Aí nós combinamos de ir juntos lá.A gente ia se encontrar na porta da empresa.Eu fui pedir ao chefe para me dar folga.Eu tinha direito a uma folga por mês.

__Vocês foram juntos na tal empresa?__quiz saber o pai.

__Não.O Renalvo não apareceu.Ele desistiu na última hora.E o pior é que a vaga já tinha sido preenchida.

__É lógico seu "bocó".Ele armou para te queimar.Quem seria imbecil o bastante para pedir ao chefe o dia de folga para procurar outro emprego?__colocou as duas mãos na cabeça em sinal de desespero.

Tudo estava claro agora:o amigo do "bocó" queria que ele fosse demitido para,possivelmente,colocar um amigo seu no lugar;então armou a história fajuta do novo serviço para enrolar Tarso,que caiu direitinho.

Novamente desocupado,nosso amigo passava os dias no mais completo ócio.Tudo voltara a ser como antes e sem perspectiva de melhora.

Ou não....