CARPIDEIROS (entrevista)

(FICTÍCIA)

- Profissão em alta já que morre gente todo dia e os contratados tem que chorar contra a própria vontade em velório alheio e se mostrar entristecidos ainda que não se importem com o falecido, numa dramaticidade teatral que deverá parecer aos olhos de estranhos que o morto era de estreitissimas relações de amizade com o choroso a soldo.

- O preâmbulo que faço antecede a entrevista que inicio nesta noite, agora que são 18:54, estamos na Rádio Sumaré FM com o Sr Nestor das virtudes. Carpideiro com preferências pelo pessoal da alta sociedade e de credibilidade bastante aceita nos locais onde comparece com o objetivo de mostrar que o morto teria na pessoa dele alguém querido (mediante uma quantia previamente combinada pelos familiares , é claro) Vamos lá;

- Boa noite Sr Nestor!

- Boa noite Sr Manuel e todos os ouvintes da rádio Sumaré!

- Temos todos, a curiosidade de saber como é a vida de um carpideiro e saber de você que pode nos exclarecer sobre o assunto dessa profissão que aos olhos de alguns é discriminada, já que chorar sem sentimentos só é pior quando isso é como no seu caso feito sob remuneração, no que respeitamos mas como isso pode ser considerada uma profissão?

- Sabe Sr. Manuel é uma profissão como outra qualquer e todos se atendem?

- Espere aí; - Se atendem? como assim?

- Ora em velórios que comparecemos o preechimento melancôlico é em tempo real e quem nele chegar sem saber o que ocorre chora também porque o choro é contagiante.

- É mesmo? - Eu não sabia disso. Mas tem outra coisa, isso de carpideiro.. O comum não seria carpideiras?

- É a globalização, amigo radialista as mulheres estão há muito perdendo esse espaço, não que seja por falta de choro e consternação mas as mulheres choram por qualquer motivo dai que num velório não estão mais convincentes e ao invés de derramar lágrimas na verdade entornam o caldo, uma lástima, foi-se o tempo delas.

- Quais suas referências anteriores Sr. Nestor, para quem estiver atento a essa entrevista, é claro que ninguém quer ver um familiar morto mas nunca se sabe.

- Bem Sr. Manuel já trabalhei em mais de cinquenta velórios pelas casas capelas e cemitérios, só não trabalho em velório de pobre porque a choradeira deles e de graça e existe exagero na consternação normalmente aplacado com cachaça, o que compromete e anula minha profissão.

- Por falar em profissão, como você trabalha exatamente? é só chegar chorar e pronto?

- Não, temos uma equipe e somos metódicos e organizados,hoje contamos com dez carpideiros, já que o choro exige decibeis melancólicos e quorum mínimo ocupando o evento sem aquela triste sensação que o morto está abandonado.

- tem prazo para permanência?

- Bem, na verdade, duas horas antes todos os carpideiros já no vel´rio tem o histórico do morto, tornando as coisas mais fáceis e choramos por la dando a impressão de que ele era muito querido, ainda que fosse de baixa popularidade ou mesmo alguém detestável, como é o caso de nossos contratantes. Não temos preocupação com isso pois são negocios, como a prostituição, cabo eleitoral de político tomador de conta de carro, gigolô de velhinhas. nada diferente disso porém mais sério e respeitoso.

- Você me fez recordar que um de seus carpideiros foi pilhado rindo num desse velórios aí e deu uma confusão danada onde e como isso aconteceu?

- Ah! Sim! - Isso foi o João joaquim lá do Beco do Pandeiro, ele riu no enterro do coveiro José flores, um trato deles lá que quem fosse primeiro teria que submeter-se a uma demosntração bem humorada no dia do seu enterro, dai as gargalhadas. O negócio da confusão é que a família não foi avisada antes e a coisa teve fim na delegacia, mas o João estava de folga e por isso foi problema dele, tanto que ele ficou o final de semana em cana sem choro,

- Essa foi explicada mas tenho aqui registros que você aprontaram no velório de um avarento e a coisa por lá também teve um tempo quente e delegacia de novo o que houve?

- Nem me fale, o danado do Sr Noronha, contratou a gente sabendo que estava para morrer dai a pouco e colocou na cláusula do contrato que só pagaria se ele estivesse sendo velado rindo com sua dentadura de ouro que em seguida seria doada a instituição de caridade deixando a viúva a ver navios.

´- E ai?

- E aí? a danada da viúva disse que não tinha disso não e além de tirar a dentadura de ouro depois de colocar uma de segunda mão, ainda não quis pagar o serviço porque não conseguimos fazer o velho rir, o meu amigo Rubirosa pegou um pandeiro e fez um samba do Moreira da Silva no Velório dele e a polícia foi chamada com todo mundo de novo na delegacia e os guardas desceram o cacete no Rubirosa pela falta de respeito pelo morto que cá pra nós se não estivesse morto eu o matava.

- Muito bem, estivemos aqui com o Sr. Nestor das Virtudes que falou em nome dos carpideiros, Sr Nestor boa noite e deixe ai o contato para quem quizer apesar de que ninguém querer morrer tão cedo.

- Claro o telefone é 1313 9999 ramal 99, Boa noite a todos.

_ Mas e o endereço?

- Ah! Sim! rua do Lamento Nº 13 Bairro Sorriso. Referência Padaria do Bella Lugosi.

- Uma ótima noite a todos e obrigado pela escuta (leitura).

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Pacomolina
Enviado por Pacomolina em 02/10/2008
Reeditado em 01/11/2009
Código do texto: T1208487
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