Quando a morte não assusta...
Depois de algumas horas de vôo, já perto da aterrissagem no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, os passageiros começaram a perceber que algo de anormal estava acontecendo com o avião. As aeromoças se entreolhavam e cochichavam nervosamente, o co-piloto saiu duas vezes da cabine para conversar com elas em voz baixa e, no meio de tudo isso, o avião sacudia, estremecia e balançava de modo estranho. De repente, ouviu-se a voz do piloto:
- Senhores passageiros, estamos com problemas num dos motores do avião e o trem de aterrissagem está travado. Vamos fazer um pouso de emergência e, para isso, teremos que circular o aeroporto várias vezes para gastar o combustível e evitar o risco de incêndio e explosão durante o pouso. Afivelem os cintos e permaneçam calmos, em seus lugares, por favor!
E o pânico se instalou dentro do avião. Uma mulher berrou:
- Não quero morrer! Não quero morrer!
Quis levantar-se, mas a aeromoça a impediu de fazê-lo:
- Senhora, por favor, tenha calma. Volte ao seu lugar!
Mas a aeromoça também estava apavorada, com o pensamento voltado para o marido e o filho de dois anos. “Meu Deus, meu Deus, será que vou morrer? Meu marido, meu filho...”
O casal de idosos, numa poltrona, abraçava-se, num abraço forte, como de despedida. A mulher balbuciou:
- Jorge, Jorge, meu Deus, será que vamos morrer? E os nossos filhos, os nossos netos?
- Calma, minha velha, calma, vai dar tudo certo. Vamos rezar, vamos rezar...
Uma moça, de uns 25 anos, torcia as mãos nervosamente, as lágrimas a escorrerem dos olhos arregalados, e pensava aflita: "Oh, meu amor, com certeza, estás sofrendo, me esperando no aeroporto. Oh, meu Deus, por que não disse mais vezes para ele que o amava e que ele era a minha vida?"
E o avião começou a adernar perigosamente. Os gritos, súplicas, gestos de desespero aumentaram entre os passageiros.
Um homem, aparentando 40 anos, ligou o celular e gritou para alguém:
- Helena, meu amor, o avião vai cair! Eu te amo! Eu te amo!
E, no entanto, um sujeito, vestido num impecável terno preto, continuava imperturbável, alheio a toda aquela turbulência, assobiando uma canção. Assobiava “Garota de Ipanema”, frio, impassível.
Afinal, o avião esvaziou o combustível e fez o pouso de emergência. Ouviu-se um barulho horrível de ferragens raspando o chão, houve um princípio de incêndio, acorreram caminhões do Corpo de Bombeiros e os passageiros foram resgatados rapidamente.
No saguão do aeroporto, entre flashs de fotógrafos e câmeras de TV, cenas comoventes eram transmitidas para o mundo inteiro: a aeromoça agarrava-se, em prantos, ao marido e ao filhinho; a mulher que, em pânico, quisera levantar-se, era abraçada por uma porção de parentes; o casal de idosos, abraçado aos filhos, beijava os netos, carregados em seus braços; a moça de 25 anos trocava um prolongado e apaixonado beijo com o noivo, e o homem do celular repetia à sua Helena, uma linda senhora: “Eu te amo! Eu te amo!”
O homem do impecável terno preto pegou a sua bagagem, apenas uma pequena maleta, e ainda assobiando “Garota de Ipanema” passou despercebido entre o torvelinho de pessoas, chamou um táxi, entrou e deu o endereço para o chofer, que perguntou:
- Doutor, o senhor estava nesse avião que quase ia se espatifando no chão?
- Sim, estava.
- Mas é estranho, o senhor está tão calmo... Não teve medo de morrer?
- Não. Não tenho ninguém para chorar por mim.
E continuou assobiando “Garota de Ipanema”.