Viagem insólita: um agonizante besteirol escatológico

Algumas pessoas parecem transformar suas vidas em uma única e absorvente missão. Consta que irmã Dulce consagrou toda a sua vida aos desvalidos, Ayrton Senna às corridas de carro, Einstein à ciência e, de uma maneira geral, todos aqueles que realmente se destacaram em qualquer atividade, teriam se entregado de corpo e alma à carreira que os imortalizaram, mas, ainda que isso seja verdade, há os que se lançam por inteiro em práticas menos evidenciadas e que apesar de esforços por vezes sobre-humanos, nunca chegam a ser descobertos. Talvez Carlos possa ser incluído entre esses heróis anônimos capazes de planejar e executar verdadeiras perfeições artísticas, ainda que efêmeras e apócrifas, mas que inequivocamente carregam o toque da genialidade só manifesta em poucos; foi exatamente dessa maneira que elaborou seu plano: com a meticulosidade de uma obra de arte!

Como é comum em Brasília durante o final do inverno, a tarde estava quente e extremamente seca, muito propícia à consecução do plano ideado; podia-se sentir que, como na véspera, a umidade relativa do ar estaria infernal, entre as mais baixas da década, quando Carlos entrou no restaurante self-service barato em que os garçons mal-amanhados quase se derretiam junto à parede, enquanto tomavam coragem para retirar a comida que permanecia exposta no balcão apesar da hora adiantada.

Tudo parecia correr bem. Previra com sucesso que a apatia causada pela baixa umidade impediria a retirada da comida no horário usual, e que os restos da feijoada que comera na antevéspera ainda estariam expostos. Encheu um prato com uma profusão indiscernível de carnes variadas entremeadas pelo feijão preto e grosso, acrescentou uma colher generosa de repolho cozido esmaecido e sem consistência, e não conseguiu evitar a tentação de adicionar uma coisa escura, gordurosa e pegajosa que já havia notado em dias anteriores, mas que se mantinha impermeável a qualquer tentativa de identificação. Como toque final, pediu ao garçom que pegasse um dos ovos coloridos que pareciam fossilizados no balcão interno, tendo o capricho de escolher, dentre eles, um que outrora havia sido roxo, mas que agora se apresentava matizado, amarelecido e marrom, à semelhança de um hematoma em vias de cura.

Em defesa do restaurante deve ser dito que o preço era bem inferior ao de todos os outros nas redondezas, e que o ovo colorido, entregue pelo garçom com os olhos arregalados e uma expressão inequívoca de enorme surpresa, nem ao menos foi cobrado. Também é importante frisar que apesar da aparência desgraçada do prato e da indiscernibilidade do amontoado escuro, o sabor não era dos piores, ainda que a mistura se encontrasse apenas levemente morna.

Carlos comeu sua refeição com prazer; já eram quase três horas e desde que acordara só havia comido uma coxinha gordurosa, e isso pouco antes do meio dia, de modo que a fome o ajudou a saborear seu estranho prato enquanto, com olhar sonhador, repassava o plano em sua mente. Terminou a comida, lembrou de pegar certa quantidade de guardanapos de papel, pagou, e caminhou até seu carro que se encontrava estacionado sob o sol quente. Já suava quando entrou no veículo; utilizou um guardanapo, por sorte bastante absorvente, como lenço para a testa e rosto, e então se dirigiu à loja de roupas de aluguel; já sabia o que desejava: o terno claro e surrado que lhe caía impecavelmente. Vestiu a calça às pressas ali na loja mesmo, mas levou na mão o paletó que pendurou no carro ainda quente, estacionado sob o sol cruel da tarde seca. Engrenou a primeira e saiu em direção à torre de televisão, enquanto secava o suor que a feijoada lhe espremia da face desafiando a secura imensa da tarde quente.

Quando chegou à torre, os efeitos do duvidoso alimento já se manifestavam sob a forma de calafrios que lhe percorriam o corpo e de umas convulsões mais incômodas que dolorosas a contorcer-lhe o abdômen, mas não esmoreceu, vestiu o paletó e caminhou resoluto em direção ao elevador que, como esperado, era aguardado por quase uma centena de pessoas dispostas em longa fila. Enquanto ainda se aproximava, percebeu uma gorda imensa que se arrastava para lá e, tomado por uma certa gula, tratou de apertar o passo com o intuito de se posicionar o mais perto dela que conseguisse; não foi difícil. Calculou que talvez só fosse embarcar na terceira viagem do elevador e considerou ter tido sorte ao lograr se esgueirar por trás da gorda e se embrenhar entre os outros ocupantes antes que o ascensorista o detivesse, apesar de já se constituir um passageiro excedente. A sorte estava lançada!

Assim que a porta se fechou houve uma reclamação sobre o calor excessivo, respondida imediatamente pelo ascensorista com a justificativa de que o exaustor tinha pifado naquela manhã, mas a subida seria rápida e se todos tivessem paciência chegariam logo ao topo. Terminada a breve explicação o elevador se abriu para o museu de gemas, mas ninguém entrou ou saiu naquela que consistia na única parada intermediária logo no início da longa ascensão até o elevado terraço de observação.

A porta se fechou novamente, Carlos já estava preparado: posicionado no centro do elevador lotado, prendeu a respiração enquanto aguardava o reinício da viagem com o abdômen revolto produzindo sonoras e violentas circunvoluções; as mãos enfiadas no bolso já estavam prontas para entreabrir e afastar as dobras traseiras do paletó, coisa que fizeram imediatamente, ao mesmo tempo em que, insidiosamente, Carlos se comprimiu com enorme cuidado, soltando, com grande alívio, uma leve e prolongada bufa por entre as partes do terno recém-entreabertas.

O silêncio sepulcral que acompanhou a liberação do peido foi repentinamente quebrado pelo ribombar da tosse de uma criança oculta entre as pernas e corpos dos presentes; entre espasmos sonoros que se sucediam ininterruptamente, e com os olhos arregalados como se aterrorizada por monstro invisível, a pobre menina parecia sufocar ante a vista surpresa dos impotentes ocupantes do elevador, que, até então, ainda se comportavam preguiçosamente vitimados pelo calor excessivo da tarde, ampliado pela ausência de ventilação ou de qualquer outra forma de arrefecimento da temperatura no cubículo abarrotado. Foram os que, caridosamente, se abaixaram com o intuito de socorrer a criança que primeiro sentiram os tenebrosos efeitos da flatulência tão esmeradamente elaborada; seus efeitos multivariados manifestavam-se em cada vítima de maneiras muitíssimo diversas, causando em um, profunda náusea e tontura, em outro, desordens pulmonares, no seguinte, afecções cerebrais aparentadas ao delírio, e assim sucessivamente, evidenciando em segundos os mais variados transtornos que pudessem estar contidos em qualquer compêndio medicinal, mantendo em comum apenas os efeitos debilitantes de todos eles.

Enquanto os gases fétidos permaneciam em sua lenta, mas inexorável ascensão pela atmosfera abafada do elevador, seus ocupantes iam tomando ciência de seus efeitos conforme a própria altura, de modo que, logo após a criança, foi a vez de uma baixinha muito franzina e amarelada perceber-se imersa no fedor brutal que sorrateiramente engolia o limitado recinto. Instantaneamente seus olhos se arregalaram como se buscassem o ar alhures, ou como se pretendessem abandonar suas órbitas para fugir do cheiro pavoroso; sua garganta pareceu engolir com avidez um naco de algo que não poderia ser mais que o próprio ar, para em seguida, e com os olhos esbugalhados como os de um sapo boi atropelado, endurecer todo o corpo como se instantaneamente congelada durante o bizarro momento.

Nesse instante, Carlos, que acompanhava o desenrolar de todos os fatos com enorme atenção, realinhou seu paletó de cima a baixo, ajeitou a gravata, emproou-se, e percebeu que não só ele, mas também o magrelinho, careca, de cabeça chata, postado ao lado da moça, havia percebido a peculiaridade de seu comportamento, deixando-o preocupado a ponto de se deslocar até a frente da baixinha que permanecia fitando o nada, levando-o a chacoalhá-la com a aflição daqueles que ignoram os acontecimentos ao redor, o que perdurou apenas um átimo, pois logo em seguida o bodum penetrou-lhe também as narinas, revelando inequivocamente a causa do choque que havia transtornado sua mulher, ao mesmo tempo em que lhe atribulava a mente de maneira enfática, como se uma embriaguês repulsiva o dominasse.

Há uma enorme magia na tecitura do tempo, em sua trama, de modo que os momentos mais marcantes de nossas vidas, aqueles verdadeiramente memoráveis, parecem se estender indefinidamente, como se confeccionados em substância plástica, urdidos em material elástico e amplamente extensível que faz com que um ou dois segundos sejam suficientes para se perceber uma infinidade de detalhes do espaço ao redor, evocar centenas de longas lembranças, e engendrar enorme quantidade de planos complexos em tempo tão exíguo que, ordinariamente, não seria suficiente nem para um bocejo; e enquanto Carlos mergulhava em divagações filosóficas, centímetro a centímetro, o cheirete pavoroso ia galgando todo o espaço do elevador espremido e abafado.

Foi a sucessão de interjeições enfáticas e horrorizadas que o trouxe de volta à realidade, para acompanhar a movimentação de cabeças e corpos que se deslocavam a esmo pelo espaço circunscrito do elevador, no afã inútil de tentar fugir da pestilência que já abarcava o ambiente por completo. Os “huns” assombrados emitidos por entre caretas não menos pavorosas pareciam ricochetear nas paredes para se reproduzir em cada um dos assustados ocupantes da pequena caixa.

Foi com um misto de orgulho, satisfação e pavor que Carlos se deparou com sua própria obra, Aquilo era indescritível; podia perceber as emanações advindas do feijão passado, as oriundas das tenebrosas carnes envoltas em manto negro, a acidez do repolho, e sobre todos eles o inconfundível miasma de enxofre exalado de suas entranhas pelo ovo colorido, tudo isso temperado em pimenta malagueta. Mas, antes que pudesse avaliar o conjunto da obra à maneira de um sommelier, notou um destoante eflúvio de peixe, para perceber em seguida a sugestão de uma profusão de outros frutos do mar, tudo isso regado em dendê e leite de coco. No mesmo instante percebeu a gorda imensa se contorcendo em uma careta horrenda, ao mesmo tempo em que o bigodudo alto à sua frente emitia um “hum” retumbante enquanto encarava a gorda com extremo horror e se afastava dela com rispidez. Nesse instante houve como que uma pequena revolução a bordo do elevador, na qual seus ocupantes, à beira do pânico, encaravam a gorda aterrorizados, tentando se afastar dela o máximo que podiam, enquanto se espremiam uns sobre os outros na parede oposta à que ela se encontrava no intuito vão de anteporem-se uns aos outros ante a mulher descomunal que também os encarava com pavor, tentando, por seu turno, se afastar o mais possível do bigodudo que a encarava com espanto, provocando com isso um movimento circular que agitava ainda mais o ar, revolvendo os gases mais pesados e nauseantes dispersos no fundo.

Terá sido a movimentação brusca dos ocupantes, ou talvez intervenção diabólica, fato é que, em meio à algazarra que se seguiu a essa primeira troca de olhares acusativos, o elevador estacou bruscamente agitando os estômagos já previamente abatidos pela morrinha, e quase os elevando até a boca. Imediatamente o ascensorista, que até então permanecia sentado e estático como se dormisse, levantou-se e soergueu a voz acima dos ruídos crescentes, para recitar, como cartilha decorada, um breve discurso com o intuito de evitar que qualquer forma de descontrole viesse a se alastrar; pingos de suor já lhe escorriam do rosto umedecido, e a lenta agitação de seus braços sobre a cabeça dos ocupantes atônitos, aliada à voz monocórdia que ecoava no cubículo quente e fétido teve efeito tão desanimador que controlou instantaneamente o pânico insipiente que ameaçava se manifestar, ao mesmo tempo em que novas fragrâncias se mesclavam ao fedor desgraçado imperante no recinto; um cheiro inequívoco de molho de soja fez-se notar, trazendo à mente de todos a visão de diversas iguarias da cozinha chinesa, mas todas elas envoltas na mais tenebrosa e repugnante atmosfera odorífera, como em um banquete servido a urubus; curiosamente as essências eram facilmente distinguíveis ainda que imersas no fedor abominável, mesmo assim eram discerníveis os aromas do frango xadrez com cebola, do porco com molho agridoce, e até o de um singelo rolinho de primavera, que misturados ao cheirume nefasto, pareciam lhe acrescentar um peso adicional, uma densidade mais acentuada. No mesmo instante, a gorda colossal que até então tinha sido o centro de todas as atenções, proclamou um tremendo “hum” enquanto abanava o próprio nariz com gestos teatrais e afastava a cabeça com os olhos arregalados cravados no casal de orientais estacados à sua frente e já isolados dos demais, que agora acorriam em direção à gorda na tentativa patética se usá-la como escudo contra a flatulência hedionda aparentemente emitida pelo casal de japas que se mantinham em um psitascismo ininteligível, proferido com a elegância possível pelo homem, mas com uma voz oscilante incrivelmente aguda pela mulher, o que, no reduzido ambiente pestilento, soava como um zumbido estonteante pontuado pelos seguidos” uns” emitidos pela balofona que insistia em abanar intensamente o ar ao redor.

Tentando não perder nenhum detalhe da cena esdrúxula, ao mesmo tempo em que sentia contínuas convulsões a lhe revolver os intestinos, Carlos, uma vez mais, pressionou as mãos nos bolsos reabrindo as abas do paletó para permitir que outro pum lhe esvaísse sem se emaranhar em suas roupas. A situação era francamente propícia à nova emissão de gases devido ao burburinho alto e constante capaz de abafar qualquer assobio que eventualmente lhe escapasse, e à podridão reinante no recinto, que camuflaria as mais impensáveis emanações gasosas, e foi apenas o seu olfato aguçadíssimo, aliado à extrema atenção com que sorvia todos os detalhes de cada instante do episódio planejado e protagonizado por ele mesmo, que o possibilitou perceber novos matizes no futum aparentemente insuperável; inspirou por três vezes, entrecortadamente, movimentando a cabeça e os olhos em ambas as direções até chegar à conclusão indubitável de que mais de um dos ocupantes do elevador tinham aproveitado o momento para também se livrar de suas próprias angústias. Nesse instante seus olhos se semicerraram enquanto pensava na vileza dos seres que se aproveitavam da ocasião para se aliviarem daquela maneira torpe, e, sem perder nada do que acontecia ao redor, teceu profundas elucubrações filosóficas sobre a natureza vil e caricata do macaco petulante autodenominado homo sapiens, ao mesmo tempo em que o elevador recomeçou a subir.

É provável que o fedor infernal houvesse conturbado as pobres mentes ali confinadas, ou talvez sejamos todos uns animais tão primitivos que não conseguimos deixar de nos comportar como galinhas de laboratório, determinando a ordem das bicadas, nem mesmo nas circunstâncias mais abstrusas, mas ao mesmo tempo em que o elevador ganhava velocidade em sua ascensão até o topo da torre, seus ocupantes executavam uma dança coletiva em que um grupo coeso e esbaforido se movimentava em conjunto lançando os mesmos olhares arregalados e acusatórios para um personagem isolado em frente ao grupo, que por sua vez se locomovia também em círculos na esperança de se camuflar entre aqueles que o incriminavam; o desespero da figura posta em relevo a levava a penetrar na massa que imediatamente expelia e isolava algum outro desafortunado em substituição ao fedorento anterior no comando da dança, afastando de imediato todo o grupo na exata direção em que se movia, ao som de indignados “huns” acusatórios seguidos de abanos ostensivos em frente aos próprios narizes, fosse para um lado ou para o outro. Tais defecções eram sempre seguidas dos mesmos olhares, da mesma fuga conjunta, da mesma repulsa pela criatura relegada que, fosse quem fosse, tentava sempre as mesmas artimanhas na ânsia de se livrar da deplorável situação em que evidentemente fora posta, forçando a invasão do grupo que, dele tentava se livrar como um cardume de peixes a fugir de um tubarão, se rompendo ante a fúria do leviatã, para se aglomerar ainda mais condensadamente apenas um instante após.

Foi enquanto executava a insólita dança em meio ao agrupamento coeso e lépido que Carlos libertou toda a fúria contida em suas entranhas. Pressionados por dentro e por fora, os gases gerados pelo feijão arcaico que havia engolido, pelo repolho já quase decomposto que ingerira, e por todas as carnes fétidas e repugnantes das quais havia se alimentado, lhe saíram em um jato contínuo que mais de uma vez emitiu forte ruído logo abafado pelos inúmeros “huns” repugnados, e por outros tantos traques que espocavam aqui e ali, enquanto a turba se movimentava para um lado e para outro como se contida em uma máquina de lavar. A atmosfera no recinto nauseabundo se espessava com as contínuas emissões flatulentas e já se adensava ganhando uma viscosidade contra a qual os ocupantes pareciam lutar, e talvez fosse apenas o movimento contínuo de todos eles que evitasse que aquele ar nojento se coagulasse em algum miasma plasmático e pegajoso quando finalmente, e após um tempo que na mente de todos os presentes se assemelhou a horas, o elevador parou e a porta se abriu.

Instantaneamente, todos os ocupantes tiveram exatamente a mesma idéia: a de escapar da fedentina o mais rápido que conseguissem, de modo que acorreram afobadamente à porta onde se espremeram conjuntamente no afã de se libertar do fedor que impregnava cada um, e que agora exalava do elevador enfim aberto ao mundo, defecando a gente fétida que lhe saía de dentro aos jorros como se a própria torre se visse acometida por violenta diarréia, exalando todos o mesmo futum mirabolante, que já se espraiava pelo terraço arrancando novos “huns” repugnados dos atônitos turistas que ali se encontravam.

Assim que deixou o elevador, Carlos ajeitou o paletó, a gravata e o cabelo, e se dirigiu a um dos cantos frontais do terraço, chegando alinhado para se postar em local de onde conseguisse observar a porta do elevador, que apesar do vento ainda causava espanto; desse posto, fumou um cigarro com elegância enquanto expunha as roupas e corpo ao vento com o intuito de amenizar a inhaca entranhada neles, aproveitando a ocasião para observar os outros passageiros recém saídos do elevador, alvejados continuamente por olhares atônitos e acusatórios dos que previamente ocupavam o espaço, enquanto se abanavam, tossiam, desabotoavam a roupa e esbravejavam em vão, protagonizando um espetáculo ainda mais tosco que surpreendente.

Foi depois de muito agitar um jornal na porta do elevador, e em virtude de seu nariz permanecer ainda contaminado pelo cheiro, que o ascensorista resolveu encetar a viagem de volta, decisão que não contagiou ninguém, fosse pelo trauma da viagem anterior, fosse pela repugnância extrema ainda causada pelo fedor abominável. Embora a vista da cidade ressequida fosse agradável, assim como o vento que lhe amenizava as seqüelas da fetidez grudada em todo o corpo e vestes, Carlos preferiu passar aqueles momentos observando os presentes, em especial os que haviam repartido com ele os incríveis momentos da memorável viagem de elevador.

Não demorou para que o elevador tornasse ao terraço, completamente lotado como de costume. Carlos observou um a um a decida dos passageiros recém chegados, com especial atenção em um careca imenso falando idioma estrangeiro e devorando o final de um sanduíche que desceu do elevador abraçando uma enorme bolsa térmica com ares de satisfação, enquanto conversava com outros obesos cujos tamanhos descomunais acabavam eclipsados pelo volume colossal do careca; resolveu ficar de olho no grupo que se deslocava apenas vagarosamente, e que não tardou a se postar na fila que já se formava na porta do elevador, abrindo a bolsa para, de dentro dela, retirar uns sanduíches e outras tantas guloseimas, todas elas incrivelmente avantajadas. Carlos sentiu suas entranhas revirarem novamente, eram os estertores do feijão. Decidiu entrar na fila e colar no gigante glutão: a viagem de volta seria longa!