Causos de Lucas Durand. 3 e 4.
3 — O Causo do Cemitério!
Um infeliz namorava uma linda moça numa fazenda depois do cemitério da cidade e diziam que o infeliz tinha medo até da própria sombra... Mas, a moça era tão bonita que ele trancava a respiração e passava zunindo pela rodovia e nem olhava para o portão do cemitério quando vinha sozinho da casa dela. Ou, então, esperava alguém que viesse para a cidade e ficava de plantão na beira da rodovia... E se não aparecesse ninguém... bem, criava “corage” e amassava cascalho passando como um vento pelo cemitério.
Bão, né! Para ir, tudo bem! Mas na volta a calça enchia! Tinha que voltar por volta de no máximo dez horas da noite e bem antes da meia-noite! Era difícil de atravessar aqueles cem metros em frente ao cemitério... Parecia que os passos num rendia... e só cascalho rolando debaixo dos pés. Qualquer ventinho, qualquer morcego ou coruja que atravessava na frente... Santo Deus! Era promessas e mais promessas para cumprir no outro dia!
Segundo contavam os antigos, à meia-noite as almas penadas saiam do cemitério e rondavam tudo por ali! E tinha gente que jurava que já havia visto algumas coisas... Então... depois três meses de namoro já se beijava à vontade, já se relava à vontade e a cada dia suas mãos “mapiava” mais ainda aquele corpo jovem e ardente... e a mocinha já tava ficando mansinha igual mulher quando quer dinheiro do marido...
Então, voltar às dez horas passou para dez e meia... Onze... Onze e meia... E o namoro tava fervendo. Já se fazia quase de tudo e não se via a hora passar e aqueles momentos de carícias compensavam o medo da volta!
Bão, né! Fim de semana, vigilância vai relaxando, alpendre meio escuro e a bananeira deu cacho, a jurupoca piou, a vaca foi pro brejo e o tempo passou! E ao longe o sino da igreja fez com que a roseira murchasse, o papagaio emudecesse e a bica d’água secasse! Meia-noite no prego!!!
Num gesto automático guardou a “matula” de qualquer maneira abotoando a braguilha toda errada e nem olhou para trás para ver o beijo carinhoso que a amada lhe mandava. E pé na estrada! Só se ouvia o farfalhar de cascalho debaixo dos pés na estrada de chão... e ele, pensando:
...”Bem... Meia-noite! O relógio da igreja pode tá adiantado... Alguém já lhe havia comentado isto... E Ninguém sai assim por aí de supetão... Até ispreguiçá primeiro, tomá um banho, iscová os dentes, trocá de roupa... gastava-se uns vinte minutos ou mais para isto! Tranqüilo! Dava tempo de chegar até lá e atravessar aqueles malditos cem metros em frente ao cemitério!”
E só cascalho amassado pela rodovia e a respiração trancada desde a saída da casa da namorada! E promessa e mais promessa pra cumprir no outro dia!
O sino da igreja repicou novamente! Já via o cemitério e as luzes da cidade... como também o barulho de alguém amassando cascalho pela rodovia atrás dele. Graças a Deus! “Num tava suzinho!” — pensou — Tinha companhia para passar em frente ao cemitério e pôde então soltar a respiração!
Olhou para trás! A lua estava clara e então viu uma jovem vestida de branco caminhando apressadamente na mesma direção da cidade! Parou e esperou cumprimentando aquela moça corajosa... E logo uma pergunta óbvia!
— Ocê, uma moça bunita assim... não tem medo de andá suzinha esta hora da noite, não?
— Quando eu era viva, eu tinha! — disse ela, entrando para o cemitério.
Dizem que ele teve que lavar bem as roupas a semana inteira... A calça encheu!
4 — O Causo do Bicho de Oito Pernas!
Um bicho estava atacando o galinheiro de uma fazenda em Araújos - minha terra natal - e não havia nada que conseguisse identificar o danado. E galinha sumindo todos os dias!
Atrás do galinheiro havia um imenso canavial. E quando a coisa “petecava” as galinhas alvoroçavam e os cachorros latiam somente se via o barulho de cana quebrando e o bicho sumia e os dois cachorros voltavam tropeçando na língua de tão cansados. E nada de pegar o bicho! E galinha sumindo!
Bão! O dono da fazenda matutou... Matutou... Matutou! Então, de tanto pensar teve uma luz! Aliás, uma “lamparina”! — naquele tempo não existia luz elétrica nas fazendas... Correu na cidade e pediu emprestadas umas lanternas e chamou seus filhos, dizendo:
— Cês vai ficá ispaiado pelo canaviar... quando o bicho passá, alumia o danado pra nóis vê o qui qui é!
Numa noite escura... de repente só cana quebrando e os dois cachorros atrás... Um barulho de dar medo! Um dos filhos conseguiu alumiar o danado! O bicho tinha oito pernas! E o pior! Quatro pra baixo e quatro nas costas! E quanto os cachorros estavam quase alcançando o danado ele virava e corria com as pernas descansadas e não havia cachorro algum que o pegasse!
Estava desfeito o mistério! Mas, como pegá-lo! Novamente o dono da propriedade, matutou... Matutou... Matutou! E teve outra “lamparina”...
Olhou para os dois cachorros de estimação... Leão e Doguinho! Dois valentes defensores há anos de suas terras! Conheciam tudo ali como a palma das patas! “Meiou” com os olhos o tamanho deles... “Mema artura, memo tamanho, mema feição... huuum!” Passou a mão numas cordas de bacalhau e amarrou um cachorro nas costas do outro! No começo foi duro treiná-los a andar assim... Mas, depois duns dois dias já andavam “invorta” da casa sem cair... E o próximo passo era fazer com que corressem! Que labuta! Mas, depois de uma semana de treinamento e alguns tombos os dois heróis estavam prontos para o grande dia... Aliás, a grande noite!
O fazendeiro, então, montou em seu cavalo e ficou de plantão no meio do canavial com sua cartucheira. Os filhos dele seguravam os dois cachorros! O cachorro de cima fazia exercícios com as pernas — aquecimento —, para quando chegasse sua hora de entrar em ação já estivesse em forma.
Santo Deus! As galinhas começaram fazer alvoroço! O danado do bicho tava atacando!Todos quietos! E niqui... qui o canavial começou a quebrar, Doguinho e Leão rachou atrás do danado!
De cima de seu cavalo e comendo o bicho na espora pra valer o dono da fazenda não perdia nada de vista — apesar de ser noite! —, mas no modo de “dizê”, ele ia seguindo o barulho do bicho pelo canavial... O bicho passou para o pasto... Doguinho tava pega num pega... — Doguinho foi escolhido para ficar embaixo, tinha mais potência na arrancada. Leão tinha mais velocidade nas retas! Num descampado mais à frente, Doguinho já se preparava, mesmo fatigado, para pular em cima do bicho... E a surpresa! O bicho virou!
Então, o fazendeiro não pestanejou e gritou:
— Viiiirrra Leão!!! - e Leão passou para baixo e crau...!!!
Cá prá nóis... tinha outro jeito de pegar um bicho desse, sô!