O PINGUÇO DISCRETO

Certa vez em uma excursão à Foz do Iguaçu, passamos por Curitiba, fomos jantar o grupo todo, em um restaurante no bairro italiano Santa Felicidade. Os pratos eram massas variadas, e vinho. Como o vinho era de graça, muitos colegas literalmente se "afogaram". Eu fui devagar, ressaca de vinho é braba. E depois iamos viajar de manhã. Viajar horas e horas de ressaca não é mole.

Entre o pessoal da excursão, estava uma mocinha bonitinha, tímida mal respondia aos comprimentos da gente. Notei que ela estava entornando todas. Os garçons traziam jarras de vinho tinto, suave, branco, doce, seco, em pó, e ela virando tudo. De repente, já completemente bêbada, "soltou a franga", começou a dançar, cantar. Eu fiquei admirando a metamorfose. Dançou até suar, e depois sem mais nem menos, teve uma crise depressiva e caiu em um choro convulsivo. Quase entrando em um coma alcóolico, teve que ser praticamente carregada para o hotel.

No outro dia, já na estrada, fiquei observando-a em uma ressaca homérica. Comentei com um colega:

-Viu só como o alcóol modifica as pessoas? aquela moça tão acanhada e quietinha ontem estava "com o capeta no couro".

Ele riu e disse:

-É, tem pessoas que bebem e ficam valentes e violentas, ou ficam emotivas, tristes, eu tinha um vizinho lá em Nova Lima, que bebia e sofria uma mudança radical...

E contou o causo:

-Quando eu era menino, morava na periferia de Nova Lima, tinha um vizinho, Toinzinho, que tinha uma pequena oficina de funilaria, e eu trabalhava como seu ajudante, aprendendo a fazer lamparinas, cafeteiras e soldas em panelas. Ele extremamente educado e muito vergonhoso, quando chegava uma mulher na oficina ele quase sumia de tanta timidez.

-Ele gostava de uma caninha, mas não queria que ninguém soubesse disso. Uma tarde sábado, eu estava na frente da oficina batendo bola com alguns colegas, Toizinho, me chamou e falou baixinho:

-Manezinho, vai na venda Zicão, e compre meia garrafa de pinga "29" ou "Tatuzinho", mas leva a garrafa vazia no embornal, para ninguém ver.

-Fui num pé e voltei no outro. Toinzinho, solteirão, morava sozinho em um pequeno quarto no fundo da oficina, onde era também a cozinha.

-Entreguei a pinga e continuei a jogar bola. Certo tempo depois ouvi ele gritando com voz pastosa de bêbado:

-Manezinho, vai lá na venda do Zicão e traga uma garrafa de pinga, uma não, traz duas, uma de "29" outra de "Tatuzinho". Ele estava completamente alterado pela bebida. Me entregou duas garrafas vazias e eu perguntei:

-Cadê o embornal?

-Precisa não, traga na mão mesmo.

-Eu fiz o mandado, entreguei as duas garrafas para ele, que me esperava na porta da oficina. Ele pegou as duas garrafas, levantou-as bem alto, bateu uma na outra e falou bem alto para que os vizinhos e os passantes pudessem ouvir:

-Comprei estas duas garrafas de pinga, vou beber até urrar, bebo com meu dinheiro e fedaputa nenhum tem conta com isso, e quem achar ruim que vá tomar no c...

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HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 19/08/2008
Reeditado em 01/05/2009
Código do texto: T1135243