DESAFIANDO O ESCURO
De vez em quando, nessas conversas desenvolvidas nas rodas de amigos das mais variadas comunidades deste imenso país, surgem causos inusitados capazes de causar espanto até ao maior contador de estórias de Trancoso.
Os detalhes fantasmagóricos desses causos, envolvendo pessoas de toda a estirpe social, ás vezes, deixam até os carecas de cabelos arrepiados e/ou babando de raiva, e com o crioulo Murundu, o principal personagem desse causo, não foi diferente.
É sabido que desde o começo do mundo o ser humano, por mais destemido que ele possa transparecer, já experimentou algum tipo de medo no decorrer de sua vida.
Esses medos variam de pessoa para pessoa, mas eles existem dentro de cada um de nós. Os mais comuns geralmente dizem respeito ao medo de andar à noite devido às visagens, assombrações, almas penadas, coisas do outro mundo e assim por diante.
Murundu era um crioulo de compleição física avantajada que morava nos arredores da vila Macambiras, próximo a Cafundó de Judas, que afirmava com todas as letras que não tinha medo de nada. Bradava para todas as pessoas do seu conhecimento que era capaz de agarrar um boi pelo chifre e que esse negócio de ter medo de alma penada era coisa de homem mofino e de cabra que não tinha sangue no olho.
Todas as pessoas de sua comunidade o tinham nessa conta de homem destemido e havia até um fã clube organizado para promover as suas bravuras e eventuais bravatas.
Certo dia, uma pessoa de sua vila, que por questões de segurança e manutenção de sua integridade física não quis revelar o nome, espalhou no âmbito de sua comunidade que Murundu só tinha tamanho, pois desde criança ele morre de medo do escuro, ou seja, ele sofre de nictofobia.
Sabedor do boato ele quis tirar tudo a limpo. No seu entender alguém estava espalhando pela vizinhança que além de medroso ele era doente.
Reuniu as pessoas dos seus fãs clubes e rumou para a Praça do Comércio do seu núcleo comunitário numa verdadeira romaria.
Era chegada a hora de conhecer essa tal “nictofobia” e esse tal “escuro” que estava a lhe afrontar e, em chegando lá, falou em alto e bom som, o seu mais novo desafio:
- Tragam-me, o mais rápido possível, esse “escuro” que está a me desafiar o tempo todo, que eu prometo reduzi-lo a pó. Mostrem-me também essa tal “nictofobia” que alguém anda dizendo por aí que eu ando sofrendo por causa dela. Eu espero que tudo isso aconteça, de preferência, durante o dia porque eu não tenho tempo de sair à noite.
Também quero deixar claro que não pretendo perder meu tempo com “brigas” com quem quer que seja em horários onde eu não possa ver claramente no fim do combate o rosto e o resto do que sobrou do meu desafeto.
Eu sou um homem corajoso sim e tenho certeza que não sofro dessa tal “nictofobia” que alguém anda falando pelos quatro cantos de minha comunidade e além do mais nenhum “escuro” me mete medo, não.
A única coisa que me mete medo neste mundo, e que às vezes me tira do sério, é ficar sozinho durante a noite em qualquer lugar onde não haja iluminação. O resto eu tiro de letra - concluiu.