CAUSOS DO QUINZINHO: A VÉIA DO RANCHINHO

Quinzinho era um vaqueiro da fazenda olhos dágua, zona rural de Abaeté MG. Famoso contador de causos. Certo dia seu patrão mandou-o conduzir um lote de bezerros para a fazenda Gamelão, a uns 15 km dali:

-Eu tinha mandado minha arriata pra cidade, num selero, mode dá uma reforma, e cumo num gosto de pidi essas coisa imprestado, passei uma fucinhera no cavalo, puis uma inxerga no lombo dele e pulei em riba. Bizerrada mansa, de curral, num deu trabaio não, im poco prazo eu tava la no curral da fazenda cus bizerro. Fiquei prusiano cus vaquero e os pião de lá, isperando mode vê se saia uma jantinha lá, eu tava varado de fome.

Uns dos vaquero me deu umas mixirica, azeda pra caraio, e só armentô minha fome. Lá pras tanta já iscureceno, eu oiei o tempo e tava armano chuva eu pensei:

-É, aqui nessa mato num sai cueio não, eu vô é imbora, se vié aquela chuva toda, vai sê otro diluve.

Pulei no lombo do cavalo e carquei as ispora. De repente o tempo iscureceu duma veiz, e truvejava, relampeidava, e o cavalo cumeçô a rifugá. Cumo num tinha nem istribo nem redia, eu pensei:

-Esse fidumaégua dessa cavalo vai acabá me jogano as popa no chão...

E cumeçô a chuvê, uma ventania dos diabo, eu tava passano perto dum ranchinho de sapé, e risurvi pidi poso lá. Marrei o cavalo dibaxo duma manguera e bati parma na porta do rancho. Uma véinha cuma lamparina na mão abriu a porta e me mandô entrá mode eu saí da chuva. Era uma veinha muito inducada, me pidino discurpa mode num tê nada de cumê pra mim dá. E ela me deu uma tijela de café, e o café só sirviu pra armentá minha fome. Nois prusiemo bastante, ela falô que o fio dela tinha ido na cidade mode trazê uns mantimento. Ela tava sozinha, arrumô a cama do fio dela e mandô eu drumi lá.

Ela foi pro quarto dela drumi. Daí a poco iscuitei os ronco dela, paricia um barrão véio. Eu deitei no cochão de paia de mio e num cunsiguia drumi de tanta fome. Eu lembrei qui vi um pedaço de toicinho num arame em riba da fornaia. Eu pensei, eu vô levantá, passá aquele pedaço de toicinho nas brasa e passá ele pro bucho. Levantei a cabeça e a véia roncava iguar uma motosserra. Fui lá na puntinha dos pé, peguei o pedaço de toicinho, que já tava meio difumado. Avivei umas brasa lá no burraio e puis o pedaço de toicinho em riba delas.

Fui virano o pedaço de toicinho e cumi aquele trem. Tava rançado, meio amargano, fui pelejá pra cumé a pela mais tava muito dura, eu cabei disacursuano. Iscundi a pela dibaxo do cochão e fui drumi. Acordei de manhã cedo cum a baruiera da véia na cuzinha. Levantei, dei bom dia e pidi uma caneca dágua mode tirá a remela dos oio. Eu tava cum medo da véia dá farta do pedaço de toicinho. Ela abriu a porta da sala e entrô um cachorro magrelo, pistiado e cumeçô a farejá, e ele sem fazê cerimonha, sungô o cochão e saiu correno cum a pela na boca.

Ah, eu quais murri de vergonha, pidi discurpa a véia, e falei que ia trazê otro pedaço de toicinho pra ela, que eu num tava cunsiguino drumi de tanta fome...

Ela falô na maiô inducação:

-Tem portança não meu fio, eu num faço conta disso não, mais acuntece, que aquele pedaço de toicinho qui ocê cumeu, eu usava ele é pra passá na minha morróida...

* * *

HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 08/08/2008
Reeditado em 08/08/2008
Código do texto: T1118490