O MÉDICO, O CAIPIRA E A RECEITA

O velho médico, resolveu tirar umas férias e aceitar o convite de passar uns dias numa fazenda no alto da serra. Entrou em seu velho jeep, deixou todos apetrechos de sua profissão em casa. O velho jeep

subia heroicamente a íngreme e curvilínea estrada, que mais parecia uma trilha de mulas e cabritos. Porém era primeira, e segunda, segunda e primeira... o motor foi esquentando, esquentando, até que o radiador ferveu. Ele parou o veículo debaixo de um jenipapeiro e desceu para esticar as pernas, até que o motor arrefecesse.

Há uns poucos metros dali tinha uma casa de um colono. Ele resolveu ir lá pedir um pouco de água para beber e colocar no radiador. Foi recebido com alegria e cordialidade pelo colono que dificilmente recebia visitas. O colono convidou-o para ficar para o almoço. O médico aceitou de bom grado. A casa era pobre mas a mesa era farta. Após comer bastante e elogiar a comida, ele notou que uma das moças da casa levava um prato de sopa para alguém em um dos aposentos da casa. Perguntou se havia mais alguém em casa.

O dono da casa respondeu:

-Tem sim, é minha patroa, ela tá meio perrengada, tá de cama, tem uns treis dia que não sai do quarto.

-Eu sou médico, quem sabe eu posso ajudar.

-O sinhor caiu do céu, dotor, eu tava pensando em levá ela na cidade, mais é muito dificir pra nois...

O médico apesar de não ter nenhum de seus instrumentos, examinou a mulher e disse:

-Vou receitar um remédio, me arrumem uma caneta e um pedaço de papel.

Não tinha. Procuraram uma caneta, um lápis, reviraram a casa toda e nada. O médico vendo a porta branca do quarto disse:

-Me arrumem um pedaço de carvão, vou deixar o nome do remédio escrito na porta e depois vocês arrumem uma caneta e copiem em um pedaço de papel e levem na farmácia.

Assim foi feito, ele escreveu o nome do remédio, escreveu seu nome e o número de seu CRM. Agradeceu, entrou no veículo e foi embora.

O Colono foi em um vizinho, pediu uma folha de caderno e uma caneta emprestados mas não conseguiu entender a letra do médico. Coçou, coçou a cabeça e teve uma idéia:

Pegou as ferramentas, tirou a porta das dobradiças e resolveu levar a porta com a receita para a cidade. Colocou a porta na cabeça e foi descendo a serra até o ponto de ônibus, Há quase uma légua dali.

Quando a "jardineira" chegou ele foi entrando no veículo com a porta. O motorista gritou:

-Epa, pera lá! pode entrar com isso não... coloque no bagageiro.

Ele disse que não, que se colocasse lá iriam colocar coisas por cima da porta e iria apagar a letra do médico. Enfim após muita discussão ele foi autorizado a entrar com a porta. Todos estavam rindo dele no veículo, abraçado a porta ele ficava vigiando para ninguém esbarrar nela. Ao chegar na cidade, com a porta na cabeça, entrou na primeira farmácia que viu. Todos fregueses e funcionários da farmácia riam disfarçadamente dele. Finalmente ele comprou o remédio, pagou e foi saindo com sua "receita". O balconista piscou para o farmacéutico dizendo:

-Esse produto entrou no rol dos remédios controlados, a receita tem que ficar retida...

-Mas essa é a porta do meu quarto...

-Infelizmente é a lei, ou a porta ou o remédio fica...

0 sujeito resignado encostou a malfadada porta na parede e foi saindo cabisbaixo.

Quando ele saiu todos liberaram o riso contido.

Depois de um certo tempo o farmacêutico disse ao rapaz das entregas:

-Pegue a bicicleta e alcance o cidadão e diga que foi engano, que ele pode buscar a porta.

O pobre matuto voltou à farmácia e feliz da vida saiu com o remédio no bolso e a porta na cabeça...

* * *

HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 04/08/2008
Reeditado em 11/01/2009
Código do texto: T1111964
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