Um computador na noite de núpcias
Dúvidas sobre a primeira cena. Abertura com sons gotejados. O ser humano é filmado diante da máquina. As pessoas passam e ele está ali sozinho. A porta se abre. Entra uma mulher com um carrinho de bebê, aproxima-se dele, mas ele não reage, ela sai. A empregada oferece um cafezinho e nada. O homem continua fixo diante do computador. Entra alguém e liga o rádio. Nenhuma reação é esboçada. O telefone toca. Ajustam-se a imagem todos os elementos que representam uma idéia passando: relógio, efeito de clima, vento nas cortinas. De repente ele levanta e a máquina começa a desligar sumindo em fade. Reaparece num efeito de luz na cena clássica de casamento. Casam-se diante do computador. Ilusão de tempo passando.
Cena dois: Há uma discussão incrível entre o casal. Ao fundo aparece entre eles uma foto de carro arrastando computadores como se fossem tradicionais latas e eles casados dentro do automóvel se beijando. No quarto nupcial estão prontos para dormir e apagam a luz. Resta uma luz acesa no computador. Ele acende a luz do abajur e vai para o computador. Ela que esperava mais da relação fica indignada. Joga as flores no chão se levantando. Só agora com o movimento da câmara percebe-se a existência de outro computador ao lado daquele utilizado. Cada qual em seu computador. Começam a falar com linguagem incoercível: fuor, magrosifet, senharida, frouxe, clipetarq, acessesesse crost, dementer, maxifrestizar, minimprestar, imprestora, googrougue, repescar, alfanumérica, palavras que ninguém sabe o significado, mas todo mundo convive numa boa. Diz a mulher em voz alta: Você pode casar virtualmente com alguém escolhido para não existir. Ele em tom de cinismo: Você pode pedir o divórcio on-line. Ele: Sem existir não há divórcio. Ela – Claro! Não há divórcio no casamento três D. Ficam teatralmente robóticos até desligar.
Próxima cena. Jogral: Cabral já era virtual! A porta do escritório se abre e ouve-se a voz da secretaria anunciando com glamour a chegada do Senhor Peterson Vasconcelos de Andrade. Veio apresentar ao diretor Medalha, sócio majoritário da SDFix2x o novo modelo de computador X3XfxDS que ele mesmo está desenvolvendo. Fruto de longos anos de pesquisa. Abre a mala e tira uma coisinha pequenina e insignificante. O senhor Medalha se manifesta: que coisa insignificante é essa? Na verdade trata-se de um feijão de cena.
- Insignificante, mas poderoso! Diz o Senhor Peterson, (ele mesmo um exemplo de civilidade e sociabilidade), pois um em cada dez milhões de habitantes é capaz de compreendê-lo. Por outro lado dez milhões de habitantes são capazes de ter um desses em casa para uso doméstico. Com este computador será o fim do jogador chinfrim. Aquele em que jogando uma partida de xadrez e perdendo todas diz que sempre ganhou. Este mínimo chipe é a mistura exata da exploração intelectual com filosofia hermética. Uma verdadeira maravilha para os arautos do pessimismo. Aviso: não é possível compreendê-lo imediatamente.
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*Da mini série: Um micro para loucos. Curta metragem. Sinopse: O homem e o seu computador. “Também conhecido com o título de: “A primeira interface da loucura”. Estreado com histórias paralelas, nem sempre inteligíveis, da relação entre usuário e o mundo virtual. Um show de tópicos com e-mails para loucos. Película inesquecível para recordar os apertos da relação entre “sistemas perfeitos” e “usuários normais”.