PERDENDO MAIS QUE O MEDO

PERDENDO MAIS QUE O MEDO

(Autor: Antonio Brás Constante)

Ele mal chegou em casa e já trancou a porta. A noite estava apenas começando, mas não queria arriscar que alguém entrasse em seu lar por um descuido seu. Aqueceu algo no forno de microondas e foi deitar. Ao chegar no quarto, cansado, atirou o casaco para trás, jogando-se na cama. Porém, manteve a luz acesa, pois assim se sentia mais seguro com seus medos.

Aos poucos foi escutando o vento uivar lá da rua, seguido pelos estrondos dos trovões. O som da chuva passou a açoitar sua janela de um jeito forte e assustador. Aconchegou-se ainda mais fundo nas cobertas. “Maldita hora que a esposa escolheu para ir visitar a mãe dela”, ele pensou. Ela iria ficar uns três dias fora com as crianças, deixando-o totalmente sozinho naquele casarão de apenas quatro peças, mas que mesmo sendo pequenas, ficavam enormes quando estava sozinho.

A noite se arrastava muito devagar, e ele apesar de estar cada vez mais sonolento, não conseguia dormir, isso graças ao temporal em conjunto com a televisão ligada. Foi então que tudo começou. A luz apagou-se de repente. Raios surgiram próximos às frestas da janela, iluminando o quarto escuro. O vento parecia ainda mais forte e o som de batidas descompassadas chegou aos seus ouvidos.

Apavorado demorou a se dar conta de que o retumbar que escutava vinha de seu próprio peito. Era seu coração disparado que batia de forma ensurdecedora. A luz voltou de forma parcial, em meia-fase como dizem. Mal iluminando o quarto, e deixando-o recoberto por sombras ameaçadoras que dançavam ao seu redor.

A televisão ligou-se novamente, porém, em um canal que só pegava chiados e chuviscos. Ele não tinha coragem de esticar o braço para apanhar o controle remoto que estava em uma mesinha afastada da cama. Neste momento então percebeu o vulto parado próximo a porta do quarto. Baixo como um gnomo, quase imóvel, como se estivesse lhe espreitando para um ataque.

O medo inundou seu corpo, transbordando de terror através de seus poros frente à criatura dantesca. Mal conseguia respirar. Procurava não olha-la diretamente, mas pelo canto dos olhos podia percebe-la ali. Começou a passar mal. Uma voz interior lhe dizendo para se enfiar embaixo das cobertas e ali ficar até amanhecer.

Vários minutos se passaram. Todo quarto parecia congelado como a cena retratada em um quadro. As sombras fantasmagóricas pareciam zombar daquele pequeno homem assustado, que tentava usar as cobertas como escudo, frente ao sobrenatural espectro que permanecia apoiado na porta.

Foi uma luta inglória do homem racional contra os seus pavores. Mas aos poucos a coragem brotou de onde até aquele momento só havia a caótica confusão criada pelo medo. Ele finalmente conseguiu ignorar o clamor insistente de seu interior que lhe dizia: “Fique embaixo das cobertas! Para o seu bem, fique em baixo das cobertas!”.

Era um zumbido incessante que mais parecia uma voz fraca dentro de sua cabeça. Insistindo em lhe atormentar. Mas ele não era um covarde. Fraco talvez. Medroso. Um medíocre apavorado. Mas não um covarde. Saiu da cama e se lançou, com o fiapo de coragem recém adquirida, de encontro ao vulto inerte. Neste momento a luz voltou, mostrando que aquela figura sombria nada mais era que o seu casado que ficara preso na maçaneta da porta.

A cor voltou ao seu rosto. O sangue passou a jorrar forte em suas veias. Então foi daquilo que ele teve tanto medo? De seu casaco? Era inacreditável. Estava se sentindo um verdadeiro idiota por dar crédito a temores infantis. Um homem feito, casado e com filhos, amedrontado por um pedaço de pano.

Diante do próprio sentimento de ridículo, resolveu soltar a fera que havia dentro de si. Saiu pela casa rindo para as sombras nos cômodos escuros. Encarando-as e intimando-as a tentarem lhe assombrar novamente, pois agora isto seria impossível. Ele transformou-se a partir daquele momento em um ser todo-poderoso. Corajoso. O maioral de seu lar. Nada mais poderia afetá-lo ou assustá-lo.

Abriu a porta de sua casa em plena madrugada. Saiu para rua no meio da chuva, erguendo os braços e dizendo: “Eu não tenho medo, ouviram! Eu não tenho medo! Quero ver alguma coisa me assustar agora!”. Foi então que sentiu o cano frio de uma arma cutucar suas costas, seguido das palavras: “É UM ASSALTO!”. O corpo todo amoleceu, amarelando da cabeça aos pés.

Para piorar a situação, a voz de seu interior voltou ainda mais irritante dizendo: “Eu avisei para ficar na cama, mas me escutou? Nãããão! Nunca me escuta. Viu no que deu bancar o machão? Depois me chama de chato. Logo eu que só queria ajudar...”.

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