MINHA EFÊMERA PASSAGEM PELO CÉU
E de repente eu me vi ali, entre nuvens muito brancas e num silêncio harmonioso. O corpo só existia da cintura para cima e flutuava. Também não havia a necessidade de falar, meus pensamentos eram entendidos como eu entendia o dele. Já vou contar “dele” quem. Onde estou? Será que morri? E tanta coisa para fazer ainda... Girei a cabeça para a direita e ‘andei’, tudo muito rápido, e me deparei com um sujeito de semblante duro. Se estou no céu, esse só pode ser São Pedro. Seu sorriso meia boca me confirmou.
Disse-lhe que esperava outra coisa, um ambiente mais angelical, muitas flautas, mais, sei lá...
Ele me respondeu que todos pensam assim, com o passar dos séculos vão se acostumando. Séculos? Então morri mesmo? Estou no céu? Sempre imaginei que primeiro eu ia para o purgatório, pois fui um pecador um tanto responsável, organizado, e depois de uma reciclagem por lá, iria para o céu.
- Purgatório não existe, respondeu-me Pedro. Aqui funciona um peso e uma medida: o bem e o mal; o céu e o inferno e não há um meio caminho. Essa é uma idéia errônea (usou essa palavra mesmo) que os vivos usam. Purgatório!
Comecei a não gostar daquela figura, eu nem bem havia chegado e ele me dando aulas de filosofia, existencialismo. Mas sobre esse pensamento ele nada respondeu. Resolvi apelar para outra tática.
- Pedroca, é claro que prefiro ficar por aqui, mas...
- Pedroca? Olha o respeito! Agora você está em outra dimensão e você “não prefere nada”. Aqui finda o seu livre arbítrio.
- Ah! Entendi. E como posso saber quem está aqui? (queria ver se um inimigo meu e pecador por demais que havia ‘subido’ há oito meses estava lá). Estava. Surgiu como numa mágica na minha frente, cabisbaixo, olhou-me com uma cara de quem estava com disenteria. Achei pouco.
- Esse cara veio para o céu? Então está tudo errado. Todos apostavam que ele iria arder nas chamas do inferno e está aqui...
- Outra idéia errônea. No inferno não tem fogo. Foi um tal de Dante (só pode ser o Alighieri, pensei) que pôs isso na cabeças de vocês.
- Não?
- Não! Quer ver como é o inferno?
- Melhor não! Prefiro o purgatório.
- Que purgatório? Já falei que...
Há 15 anos, devido a um acidente de automóvel fiquei quatro dias em estado de coma. Os médicos afirmaram que, por uns três minutos meu coração parou e que se existem milagres, um aconteceu comigo.
Obs. - Todos vocês terão, mais cedo ou mais tarde, a oportunidade de confirmar in loco o que acabei de relatar. Isso se merecerem o céu. Eu já estive lá, se é a mesma coisa, não posso lhes afirmar. Se irei prá novamente, menos ainda.