O CALMANTE
Vizinha boa era D. Joana. Caridosa, prestativa, atenciosa, nunca tinha palavra para desgradar alguém. Mas com tantos predicados, tinha lá suas manias: gostava de um calmantezinho, tomava por pura mania, não existia pessoa mais calma do que ela. Certa vez a vizinha de divisa de quintais, arranjou um enorme cachorro pastor alemão e fez sua casinha bem debaixo da janela do quarto de D.Joana. Era um horror: o cachorro latia, gania, bufava a noite inteira. Quando passava um gato em cima do muro, o cachorro ficava possesso, arrastava sua casinha pela corrente.
Nem todos os Lexotans do mundo fariam D. Joana dormir, ela já havia implicado com o cachorro. Com medo de aborrecer a vizinha sua amiga, ela ia levando. Um dia adentrou o consultório de um médico seu sobrinho, que já foi falando:
-E aí, tia, veio buscar a receita para o Lexotan, não é?
-Sim, meu filho, mas também quero uma receita para comprar o sonífero mais forte que tiver.
-Pra que isso, tia?
Ela contou-lhe sobre o cachorro, que não conseguia dormir, que parecia que o cachorro estava debaixo da cama dela, etc.
-Por quê a senhora não conversa com a vizinha tia?
-Não quero amolá-la, ela se apegou muito ao cachorro, me dê a receita e eu cuido do resto.
O médico deu a receita e recomendou:
-Veja lá, tia, tome só meio comprimido, mas não vá se acostumar, esse remédio é muito forte.
A velha agradeceu e foi embora. Dias depois recebeu a visita do sobrinho que perguntou:
-E aí, tia, tá dormindo bem?
-Estou sim, meu filho, graças a Deus.
-Graças a Deus e ao remédio né?
-Sim, sobrinho, o remédio foi ótimo...
-A senhora está tomando apenas meio comprimido não é?
-Que isso, sobrinho, eu não tomei aquele remédio não...
-Uai, então por quê a senhora pediu a receita?
-O negócio é o seguinte, toda noite eu parto o comprimido, enrolo ele num pedaço de carne, jogo para o cachorro, que come a carne, toma o comprimido e dorme a noite toda, me deixando dormir...
* * *