Namorados numerados
O número um não era assim identificado pela preferência, mas pela ordem cronológica: havia sido o primeiro, o que a ensinara a beijar, com quem primeiro passeara de mãos dadas quando passear de mãos dadas e beijar eram as maiores ousadias a que se arriscavam os namorados na idade deles. Claro, não que não houvesse inúmeras outras alternativas, mas apenas essas eram as factíveis.
O número dois apareceu depois, não para rimar, mas porque era comum que se terminasse um relacionamento para se começar outro. A experiência do beijo intensificada, alguns carinhos extras e pronto, já podia se dizer uma mocinha experiente. Tinha algo nos olhos dele que a convidavam para um pouco mais, porém não durou o suficiente para isso, e ela não soube exatamente o quão pouco era esse pouco.
O número três já a encontrou mais madura, mais apta para a vida e menos firme de propósitos, e o pouco virou muito. Um é pouco, dois é bom. Três é um número místico, o número da trindade, mas é demais - e o espírito santo da futura sogra a olhava com olhos de pomba: arredios, desconfiados. Porém não adiantava jogar-lhe todo o milho do mundo, a pomba-gira fez que fez que a moça voou, assustada.
O número quatro a fez ficar assim, de quatro, desmontada com a própria sorte: lindo, inteligente, doce, carinhoso, um futuro brilhante e uma mãe opaca. Tudo perfeito, exceto pela perfeição excessiva, que a fazia sentir-se menor que a unha do dedinho do pé esquerdo do portento. Que, aliás, eram igualmente perfeitos, pé e unha. E como ele sempre fazia questão de lembrar-lhe de sua insignificância, preferiu ir ao podólogo e extirpar-se antes que encravasse.
O número cinco mostrou-lhe um pouco mais da vida real: era um apaixonado. Apaixonado por ela, mas também por outras tantas. Desceu ao inferno, aos quintos dele, mas veio à tona antes do apocalipse e sobreviveu com algumas queimaduras de graus variados. Sim, ele gostava de variar.
E vieram o sexto, o sétimo, o oitavo, o décimo segundo, o vigésimo terceiro, a conta perdida, de namorados e de anos de vida. Nada era bom, nenhum homem e nem a solidão. Mas a oferta já não supria a demanda, e então restou o Último.
Último nada tinha a oferecer. Nem dinheiro, nem posses, nem sequer cabelo. Tinha, sim, alguma barriga, mas nada além. E, claro, a promessa de continuar sendo o que sempre fora: o Último. Ela não precisava mais procurar, ele dizia, havia acabado de encontrar o pote no fim do arco-íris, a luz no fim do túnel, o homem certo no fim das contas. Era o fim da picada.
Olhou para o Último, sorriu e botou-lhe um anel no dedo. E depois de um certo tempo sentiu que havia voltado ao número um, pois nada mais lhes restava além de passear de mãos dadas. Ah, e beijar às vezes, também. Claro, não que não houvesse inúmeras outras alternativas, mas apenas essas eram as factíveis.