Um mendigo no meio do caminho
Certamente alguns de vocês já me conhecem. Sou Josualdo, namorado da Menô, aquela que vive me esculhambando por aí a torto e a direito. Uma hora é isso, outra é aquilo; pega no meu pé porque gosto de esportes na televisão; diz que sou um folgado; reclama, reclama e reclama. E eu, pacientemente, vou encarando tudo isso numa boa porque sou apaixonado por esse diabo.
Mas hoje chegou a minha vez. Não tenho o jeito que a Menô tem para escrever, mas vou tentar dar o meu recado da melhor maneira possível. Só não sei aonde vou publicar isto aqui, pois certamente serei barrado no site que ela mantém na Internet. Coisas de namorados.
Depois de muito tempo Menô e eu resolvemos sair para um passeio, e nossa escolha recaiu na feira do Rio Antigo, que se realiza todo primeiro sábado de cada mês, na Rua do Lavradio, na Lapa.
Fomos de táxi, pois ainda não conseguimos comprar nem uma bendita Brasília amarela. Andamos bastante por lá e, como sempre nessas ocasiões, não compramos absolutamente nada. Apenas bebericamos alguns chopes em um daqueles botecos que existem por ali.
A hora passando, a fome aumentando e ela ainda me inventa de ir à Catedral Metropolitana para tirar algumas fotos (meu Deus, me perdoe, mas ela falou em tirar fotos de Jesus Cristo e não em orar). É isso mesmo: Menô agora anda com mania de tirar retratos e acredita que virou fotógrafa depois que comprou uma digital da qual vive reclamando constantemente, pois diz que a câmera não é boa o suficiente para o que ela precisa. Pois é, e nem pensem em contrariá-la.
Depois de muitas fotos e um calor de 32 graus, Menô deu a palavra de ordem: “Vamos almoçar!”.
- “Graças a Deus”, foi o meu único pensamento. “Mas aonde?”, perguntei.
- “Ah, vamos ao restaurante A Capela, que fica lá na Mem de Sá”.
E, para provar que era verdade, ligou pro dono do restaurante avisando que ia chegar lá em breve para almoçar. E nem citou meu nome dizendo que a acompanhava. Coisas da Menô. Como já estou acostumado com essa irreverência dela, nem liguei, e saímos em direção ao local do almoço.
Restaurante bom, ar condicionado, não estava cheio e ela inventou de comer feijoada naquele calor todo, devidamente acompanhada por dois chopes e um cálice de pinga com limão. Eu fiquei no básico: filé com legumes e água mineral sem gás. Como sobrou uma quantidade significativa de feijoada, ela pediu para o garçom embalar, uma vez que iríamos levar para casa.
Fomos nos despedir do dono do restaurante e saímos em direção ao Amarelinho, ali em frente à Biblioteca e ao lado do Teatro Municipal. Nem bem chegamos e um mendigo encarou Menô e sua sacola contendo a comida.
- “Ai meu Deus - diz ela para mim - ele tá me pedindo a comida. O que é que eu faço?”.
- “O que sua consciência mandar”, respondi-lhe como um perfeito sábio.
Fuzilou-me com o olhar, pois detestou a minha resposta e resolveu entregar a comida pra ele, praticando, assim, uma boa ação.
Saímos dali e um minuto depois ela me vem com esta pérola: “Estava com tanto desejo de comer aqueles torresminhos...”. Nesse momento pude ver seu olhar tristonho pela perda da iguaria embrulhada 15 minutos antes. Só faltaram as lágrimas.
“Por que não tirou os torresminhos antes de entregar a comida para ele?”, perguntei inocentemente.
Ela não entendeu que minha pergunta foi inocente, rangeu os dentes e, depois desse ranger de dentes, não vi mais nada, pois virei meu rosto para outra direção e saí em frente, deixando-a para trás.
Olha, vocês não sabem o que esses torresminhos renderam. Fomos para casa e até a hora de dormir ela ficou tocando nesse assunto um sem fim de vezes. Comecei a acreditar que ela falava sério mesmo, pois começou a apresentar uns sintomas estranhos.
Fui até o quarto e perguntei-lhe se precisava de algo, se estava melhor, e se queria que lhe preparasse um chá.
Respondeu-me: “Escuta’qui, se no meu estômago ainda tivesse um mínimo de espaço eu o preencheria com aqueles torresminhos. Não quero chá p.... nenhuma!”.
Percebi que a coisa não estava boa pro meu lado, dei meia-volta no mesmo instante e fui dormir no sofá da sala.
Agora me digam: que culpa tenho eu se havia um mendigo em nosso caminho?
Texto de Yvan Nhoé
http://www.clubedadonameno.com
(Imagens registradas e do acervo do Clube da Dona Menô)