Um Bom Maquinista
Certo dia o meu escalante me chamou ao seu escritório e me disse “.Estou com dificuldade para arrumar um foguista para o Sr. Oliveira, pois o foguista dele vai para o trem de passageiros, e eu queria escalar você por que acho que vai dar certo. Ele tem um gênio forte mas é muito honesto”.
Então eu respondi ao senhor escalante: “Sou foguista da Cia Mogiana e trabalho aonde a escala determinar. Vou tentar cumprir meu dever da melhor maneira”.
Para a primeira viagem com o novo maquinista cheguei ao depósito de locomotivas na hora determinada. A Locomotiva era uma “Montanha Americana” 764, vinda da Filadélfia, muito grande e possante. Era acionada a óleo combustível para a geração de vapor. Para aqueles que não conhecem locomotivas, esta rebocava 500 toneladas.
Para fazer um “azeitamento” completo da locomotiva, o foguista levava de 35 a 50 minutos. Assim eu também fiz, como o serviço mandava.
Quando o senhor Oliveira, que seria o maquinista, chegou eu já estava com minha parte concluída.
Como nós ainda tínhamos alguns minutos antes da partida do depósito, cumprimentei o Senhor Oliveira e disse-lhe que ficaria muito feliz se ele quisesse dar uma olhada no azeitamento da máquina, pois eu era um foguista novo e talvez não tivesse feito tudo corretamente. Disse-lhe: “Como o senhor é um bom maquinista, com muita experiência, tudo o que o senhor me disser será de muita valia para a minha formação como foguista, e tudo o que eu vier a aprender durante a viagem vou guardar, pois pretendo fazer carreira nas locomotivas. Pois o meu sonho sempre foi ser foguista, chegar a maquinista, para concretizar o ideal da minha vida”.
Foi então que o senhor Oliveira me olhou muito sério e disse: “Estou vendo que o senhor, Senhor Rossi, é muito franco e positivo. Eu também sou assim. Não mando recado”. Então ele disse: “.. Duro com duro não faz bom muro, mas nós vamos nos entender bem”.
Depois de inúmeras viagens à Casa Branca, sempre com muita harmonia, numa tarde em Casa Branca, na hora do nosso repouso, o Senhor Oliveira me falou como um pai fala a um filho: “Laércio, já faz um mês que estamos trabalhando juntos, o que vem demonstrar que eu não sou o maquinista tão ruim de se conviver, como os outros foguistas apregoam”. Então eu lhe respondi: “ Durante estas viagens eu aprendi muito com o senhor, que sempre me tratou com respeito, e na parte de conduzir o trem, a sua condução é melhor que a de muitos com os quais eu já trabalhei”.
Ele parece ter ficado emocionado com a minha resposta. Então ele me afirmou: “Eu gostaria que o senhor ficasse trabalhando comigo, mas o escalante em Campinas me avisou que esta será nossa última viagem juntos, pois terminaram as férias de 7 foguistas mais velhos de serviço que o senhor, e algum deles virá trabalhar comigo. E você, Senhor Rossi, irá voltar a ser ajudante nos trens de passageiros”.
Quando chegamos em Campinas, depois de entregar o serviço, ele me disse que agradecia por todos os dias em que trabalhamos juntos. Eu lhe disse que também sentia por não mais viajarmos juntos, e que eu havia progredido muito em sua companhia.
Nos despedimos no portão da Rua Pereira Lima, Ele me estendeu a mão e falou: “Toda vez que você precisar de um amigo é só me procurar”.
Assim, encerrei uma página da minha carreira. Ali percebi que humildade, paciência e dedicação nos fazem alcançar grandes resultados.
Quando, alguns anos depois, o Senhor Oliveira se aposentou, eu era foguista do trem de passageiros e ele foi à estação, quando estávamos prontos para partir com o P1.
O senhor Oliveira me abraçou dizendo que eu era dos poucos colegas dos quais ele estava se despedindo, e que guardaria as melhores recordações da nossa convivência na velha 764.
Atitudes assim nos gratificam e nos dão ânimo para sermos sempre humildes, e para não julgarmos os nossos semelhantes apenas pelas aparências.