DOUTOR GILSON
O melhor engenheiro ferroviário que conheci chamava-se Gilson Fernandes Cruz. Faleceu há uns 10 anos. Sabia tudo de ferrovia. Era meticuloso, tinha muito bom senso, era um calculista e projetista respeitado por todos. Ele não mandava, pedia; mas pedia, mandando.
Tive o privilégio de trabalhar sob sua ordem durante alguns meses num projeto inovador, por ele desenvolvido.
Essa pessoa ímpar não fugia da responsabilidade.
Certa ocasião, um trem elétrico descarrilou logo que partiu da gare D. Pedro II. Ele soube pouco depois e foi ao local. Verificou que a causa do acidente foi um pequeno desgaste no boleto do trilho e na agulha do aparelho de mudança de via. Mandou esmerilhar o trilho e a agulha. Era uma operação cuidadosa porque o material a ser retirado era muito pouco e tinha que ser de tal maneira que a ponta da agulha se ajustasse perfeitamente à lateral do boleto do trilho.
O Dr. Gilson dava as ordens de esmerilhar e parar. Cada esmerilhamento não passava de quinze segundos. Ele esperava as superfícies esfriarem por um bom tempo e, então, passava um pouco de estopa úmida em água. Depois media com um paquímetro.
A seqüência dos procedimentos era sempre a mesma, mas à medida que menos material tinha que ser retirado, o tempo do esmerilhamento diminuía e o Dr. Gilson dizia para o operário que ainda faltavam alguns centésimos de milímetro a serem retirados e era preciso muita atenção e perícia.
E com o sol em cima deles, lá se ia mais de duas horas de reparo; o suor escorria dos dois. Quando o Dr. Gilson verificou que o serviço ficou perfeito, agradeceu ao operário e se retirou. Estava uns dez metros afastado, quando escutou:
-- Que engenheiro filho da mãe, catador de milímetro!