29 de fevereiro de 2008
Um ano bissexto. Um ano sempre esperado por alguns, principalmente pelos que ao mundo vieram num dia 29 de fevereiro. Meu pai estaria completando cem anos se vivo fosse. Um século de vida aqui na Terra! Ele não viveu a velhice e deixou-me órfã de seus afagos e de seu amor.
Hoje me pergunto como seria meu pai velhinho. Não teria mais aquela beleza
física, na certa; o seu porte, talvez, não fosse mais esbelto. E seu verde olhar? Ainda conservaria o seu magnetismo sedutor? E seu intelecto tão profundo já não mais poderia observar este mundo tão mudado, tão veloz, tão a mercê da máquina. E se isto fosse possível, que opiniões teria sobre as mudanças deste século, do que discordaria nesta época de globalização?
Ah! Pai! Você viveu à frente de seu tempo pelo menos uns cinqüenta anos, mesmo sem conhecer o mundo virtual.
Com você aprendi a ler, meu primeiro e inesquecível professor! Com você aprendi a declamar, a amar os livros, a apreciar a poesia, a arte de representar, ensinado-me que no teatro representamos papéis fictícios e verdadeiros, muitas vezes semelhantes aos da nossa vida.
O que mais me encantava em você, era o seu modo diferente de ser pai. Não era austero, e os ensinamentos e valores que me passava eram feitos através de histórias que inventava ou contava. Você construiu meu saber sem jamais conhecer Piaget e muito menos as teorias do Construtivismo.
Sua aura deveria ser clara e sadia, pois estava sempre a sorrir de bem com a vida e com todos, principalmente comigo que fui sua grande realização. Sei que fui a menina de seus olhos e você o ídolo maior da minha vida.
Lembro-me de nossas brincadeiras, de nossa caminhadas ecológicas e do quanto você gostava do mar; a pescaria era o seu esporte favorito e muitas vezes o acompanhava nas noites de luar para pescarmos siri. Que lembranças ternas, meu pai! Como esquecer o seu tempo ao meu lado?
Orgulhava-me em chamá-lo de você, enquanto as crianças de minha época chamavam o pai de senhor. O meu especial pai não era velho, nem senhor, era simplesmente meu pai, homem que se fazia menino com suas brincadeiras, diante de mim e de meu irmão. Elas, as crianças, não tinham alcance para entender a nossa relação.
A outra lembrança marcante me vem à mente agora. Minha mãe, você a chamava de D. Ida, pelo seu nome de batismo e o tratamento cerimonioso "dona"; era em tom de gozação. Ela ficava mais senhora de si e a ela nós obedecíamos como filhos comportados, formando ao lado de meu irmão a mais feliz das famílias que cultivara amor e respeito dentro de um lar onde a felicidade tinha seu endereço.
Um século de vida teria meu pai! Quarenta anos se passaram de nossa separação!
Papai ao partir cedo não teve a oportunidade de conhecer os netos, não teve a oportunidade de assistir a sua influência paterna em nossas vidas, de sentir-se perpetuado em mim por tudo o que me ensinou.
Obrigada, meu pai!
Parabéns para você e para mim que sou sua filha.