MARCAS DE UM LUTADOR
 
O trajeto foi tranquilo até o Aeroporto e nossa conversa, apesar de um sorriso aqui outro acolá, revelava indisfarçavelmente o efeito antecipado da saudade em razão de uma separação como aquela, por tempo indefinido. Eu, de minha parte, não queria atrapalhar os planos dele, pois era a primeira oportunidade de trabalho depois de um ano e meio desempregado e apesar daqueles alardes governamentais de que a economia vai muito bem obrigado.
 
Foram dezenas de entrevistas sempre com uma expectativa esperançosa, porém,  na sequência, um comunicado por E-mail ou um telefonema educado dizendo que foi um prazer contar com a participação dele no processo seletivo,  deitava o sonho da contratação por terra

Chegamos à Cumbica, retiramos a bagagem do carro e fomos para o “check-in” que aconteceu sem maiores problemas, apesar da confusão que reinava naquele aeroporto.
 
Não deu tempo para o café de despedida, pois o tempo para o embarque era exíguo.
 
Uma intensa fila para o embarque – que eu gostaria fosse bem maior - se movimentava em direção à entrada principal e que dá acesso aos portões de embarque.
 
Recomendei que me ligasse ao chegar em Manaus e ele assentiu dizendo: __ Pode deixar, eu ligo.  O silêncio tomou conta  enquanto eu observava o  seu andar vagaroso mas decidido. Chegou  a vez dele se misturar a tantos passageiros, tantos destinos que cruzavam naquele saguão de embarque.
 
Recordo-me que ele estava com a bagagem de mão à tiracolo, uma camisa em tom mostarda e após um aceno triste, coçou os olhos para  disfarçar as lágrimas e, em seguida, saiu do alcance da minha vista já saudosa e umedecida pelas lágrimas. Mantive a discrição e tentei inutilmente  conter  as lágrimas e o desatar o nó da garganta.
 
Voltei para o carro e na minha mente passava um filme desde o nascimento dele que agora voava para Manaus com o sonho de trabalhar na área de logística, profissão que abraçou quando trabalhou em um importante  grupo empresarial.
 
Lembrei-me dele ainda na maternidade, dos seus primeiros passos, de sua infância, do seu casamento e da alegria quando me disse que em breve seria pai. Agora, em nome do trabalho,  abria mão do convívio com o filho, esposa, pai, mãe, irmãs e amigos e seguia  para um lugar totalmente desconhecido e onde não conhecia ninguém. Para ele, o sacrifício era imenso, mas não queria ser pesado a ninguém e, assim,  a proposta de trabalhar com remuneração condigna foram os elementos que o convenceram a encarar o desafio.
 
Em Manaus, o calor senegalesco e uma alimentação diferenciada foram componentes que dificultaram sua adaptação. A empresa para qual trabalhava era uma empresa familiar e seus donos não possuíam aquela visão moderna de gestão e isso também dificultava o desenvolvimento de qualquer projeto mais ousado. O regime de trabalho era estafante com hora para começar, mas não para terminar. Em pouco tempo Anderson, carinhosamente tratado em casa como Beto, já havia emagrecido doze quilos e à cada contato a gente percebia na voz dele a dor da saudade, apesar dos recursos modernos do telefone, Internet e da Web-Cam, nossos canais de comunicação. Por outro lado, Beto não queria retornar como um desertor que se acovarda no meio a batalha.
 
Nesse clima de tristeza, viajei para a Europa para uma curta temporada de dez dias de estudos, assim, no dia do aniversário dele, estava em Lisboa e liguei para parabenizá-lo. Tivemos uma breve conversa quando falei a ele o quanto ansiávamos pelo seu retorno e compreendíamos o seu esforço. Disse também que não precisava provar nada a ninguém e que todos estavam sofrendo com sua ausência, mas ressalvei que a decisão de retornar ou não  seria dele e que a respeitaríamos qualquer que fosse.
 
Quando desembarquei em Cumbica no dia seguinte, não poderia receber notícia mais alegre: ___ “O Beto vai voltar.”  Nailsa a mãe e a irmã Adriana estavam radiantes. Depois de alguns dias, havia acertado suas pendências e retornava ao seio da família.
 
Mas diz o ditado que tudo o que é bom dura pouco, então, ele nem tinha chegado a São Paulo quando o telefone de sua casa tocou. Estavam convidando-o para uma entrevista de emprego num processo seletivo para o qual se inscrevera meses antes. Ele foi e retornou otimista no tocante à sua performance e à receptividade pelo entrevistador, mas havia um porém: O trabalho seria desempenhado em Angola.
 
Sempre cri na providência divina e confiei que sua viagem para Manaus fora apenas a preparação para algo maior e que tudo o que viria seria fruto de um plano maior e da vontade de Deus, não só pelo dinheiro que poderia ganhar, mas, sobretudo, pelas experiências que experimentaria.
 
Não deu outra.
 
Anderson viajou para Angola, um país com peculiaridades e dificuldades e que está se reerguendo  em todos os sentidos depois de longo período de guerra civil. A empregadora era uma  empresa sólida e que proporcionava  todo o apoio aos seus funcionários  e remuneração era adequada. A cada sessenta dias Anderson vinha ao Brasil para curtir a família e o contato com a triste realidade de Angola o fez crescer em todos os sentidos.
 
Como a vida nos prega peças! Queríamos tanto o retorno dele de Manaus, mas na sequência ele seguiu para um lugar mais longínquo, em outro continente. A saudade é grande, mas vendo que ele passava por uma rica experiência de vida e que tem a oportunidade de estar conosco a cada dois meses, a família ficou mais tranquila.
 
Reconheço no meu filho as qualidades que marcam um homem de valor, pois é um trabalhador e um lutador que sabe que “só no dicionário o sucesso vem antes do trabalho.” Sei que esse estágio no estrangeiro é transitório e que logo  ele estará por aqui, quem sabe definitivamente, afinal, como diz Içami Tiba: “Os filhos são navios” e como tal, não foram feitos para ficar no estaleiro e sim, para singrar os mares.

Te amo filhão!