Milagre na Ladeira

De repente um som chamou minha atenção.
Fechei os olhos e me deixei guiar por aquela melodia mágica.
O som me levou até a rua e quando abri os olhos,
um choque de colorido, graça e beleza
me transportou a um outro mundo.
Uma mulher envolta em panos coloridos
fazia movimentos sinuosos em torno do próprio corpo.
Seus braços reluziam com o dourado das inúmeras pulseiras.
Em seu olhar um brilho indescritível.
Em estado de êxtase, ela revenciava seus protetores.
Seus lábios se abriam num sorriso mais feliz que eu já havia visto.
Seu porte era de uma verdadeira Rainha.
E a musicalidade exalava por seus poros.
Seus pés quase não tocavam o chão em seu balé divino.
E, como por encanto, o som parou.
Finalmente, pisquei.
Por um segundo, nossos olhares se encontraram.
Senti uma corrente elétrica percorrendo meu corpo.
Vi naquela negra íris todo o sofrimento de um povo
que foi até o limite de sua própria humanidade.
Vi os castigos.
Vi a incompreensão.
Vi a marca do chicote
e o sangue manchando a alma.
Mas naquele mesmo olhar,
eu vi a força de uma raça que tem orgulho
do que é.
Uma raça que não se dobra diante das dificuldades.
Uma raça que não se envergonha de cair
porque sabe que aquela queda a tornará muito mais sábia.
Naquela fração de segundo, eu tive uma aula sobre
DIGNIDADE, GARRA E CORAGEM.
E então, aquela Deusa de Ébano sorriu para mim.
Naquele momento eu descobri
que aquele era o momento mágico do meu dia.
E depois que ela foi embora,
eu ainda fiquei um longo tempo parada
no mesmo lugar,
inebriada pela aura de Grandiosidade e Magia
que aquela mulher havia deixado...

P.S.: Escrevi esse texto para uma Mulher. Uma Negra Maravilhosa, que me ensinou a sentir um respeito maior ainda pela minha condição de Mulher, e de descendente de um Povo que fez História com as suas Estórias...
Ela não tem nome. Tem apenas um rosto. Nunca vou esquecer a imagem dela dançando seu balé lindíssimo. Não era somente uma dança, era uma Oração. Uma Reverência. E eu, fiquei com as bênçãos daquela Criatura Divina...
Uma semana depois, recebi em minha casa um presente, e junto com ele os seguintes dizeres:

" E eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge. Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, 
tendo mãos não me peguem, 
tendo olhos não me enxerguem, 
nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal. 
Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem ao meu corpo chegar, 
cordas e correntes se quebrem sem ao meu corpo, amarrar."

Desde aquele dia, carrego em meu coração essas palavras.
E em dias como o de hoje, em que sinto minhas pernas fraquejarem diante das dificuldades, cada uma dessas letras queima como tatuagem e repicam em minha mente como sinos, para que eu não esqueça quem sou.