Sirene ligada: a onomatopeia duma despedida
Assim como passam as águas dum “pequeno rio”, que seguem seu curso desafiando as intempéries do caminho para chegar até o mar infinito, é a vida da gente que, por ser efêmera, por vezes nos apressa e passamos correndo, lutando contra o tempo, o senhor de nossos destinos, para alcançar e vislumbrar a tal felicidade enquanto a ampulheta da existência escoa, ininterruptamente, a areia dos nossos dias.
E num estalar de dedos, num piscar de olhos e, inesperadamente, um pequeno e impetuoso estampido denúncia a nossa partida. E nosso corpo-coração, o depósito da vida terrena, diante de tamanha tragédia, já exaurido, se esvai. E por um instante pairam as dúvidas e as incompreensões de uma triste realidade. Partimos sem grandes despedidas. Cumprimos nossa sentença.
E o eco do grito desesperador da tristeza se espalha e toma conta da cidade. Então, refletimos sobre o que é a vida, às vezes, nos indignando com seus enigmas. Escorrem as lágrimas, choramos juntos, pois nenhuma dor é pouca. E também morremos um tanto quando morrem nacos daquilo que fez parte do nosso percurso.
Várias reminiscências vêm à tona. O velho professor lembra as traquinagens na escola nos tempos de menino, os amigos da irmandade soluçam de tanto choro ao lembrar dos bons momentos vividos, uma senhora lamenta e diz, “ele ajudou a salvar tantas vidas”, os colegas de trabalho, que se alegravam com a nossa presença, lastimam a decisão funesta que tomamos. A família desaba, vai ao chão. Homem-menino alegre, torcedor e eleitor fiel, pai, filho, servidor público dedicado, o ai-jesus de uma galera.
E a igreja-mãe nos acolhe para, em último ato, apresentar nosso corpo a Deus, para atenuar o pecado da interrupção da missão terrena, para que alcancemos a redenção humana, podendo, finalmente, entrar no reino dos céus, pela força do amor, pela empatia e bondade praticada.
E sob o som agudo e estridente duma ambulância, abre-se o caminho para a primavera eterna, e o nosso corpo segue em cortejo para, num derradeiro adeus, descer ao túmulo. E assim, termina nossa passagem nessa viagem rápida que é a vida.
Agora fica a saudade, “a luz que sobra da pessoa”.