Pentatônica etimológica do amar
As manchas alaranjadas dos postes eram o combústivel no breu, como faíscas da palha sertaneja no luar do interiorano nativo.
O carro veloz, o qual meu pai - mesmo ausente fisicamente - sonhara me iluminar o olhar, enaltecendo a grandeza do poder de um pobre alcançar a compra da velocidade material.
Um Ford Fusion na BR de 101, um homem em seus quarenta e poucos anos de cansaço azulado refletido no olhar; uma menina que aprendera a expressão na língua estrangeira para impressioná-lo em sua curta estadia, e fazê-lo ficar.
- Ouve essa música, filha.
No arrancar do motor inaudível, uma eu de nove anos e meio, mergulhou no sonoro despertar do timbre gaúcho vocalizando as notas, já clássicas, bowienianas.
Foi a primeira vez que ouvi Astronauta de Mármore. Nenhum de Nós.
Ah, Como os “nós” se entrelaçam aos anos da vivência do ser.
A melodia que me fazia derramar lágrimas toda vez que embarcava em táxis após noitadas na cidade grande, já longe da figura familiar, relembrando o pertencer à algum lugar, transparecendo o ser, retomando à origem.
Em agosto de 2023, a menina bilíngue já não apossada de bem algum, além do ser, viu-se perdida. Romantizara então qualquer faísca oriunda de sua existência, para permanecer no plano terreno.
Quando já não haviam mais significados de sua existência para destrinchar, abraçou a liberdade. Desamarrou o saudosismo, para que na linha reta, o entrame do ser ficasse bonito até do avesso.
E foi.
Foi viver.
Em 5 de agosto de 2023, decidiu viver.
Além das mazelas mentais, sentir a noite, abraçar as amizades - mesmo que até bizarras, arabescos que contornaram o bordado de sua téz no expelir da alma. - Era um bar sujo. Soturno. Recheado de personalidades tão distópicas que refletiam a mais pura verdade; quase escrachando-as. Porém, deusa de mim, jamais enobreceria o regojizar comportamental de falhas alheias. Tornara esse local um ambiente conhecido, familiar ao meu ego.
Já com 27 anos - e o medo - acobertando a luxúria do destino final ser como Amy… Apossei-me de mim.
Guiada pela arrogância, purpurinada do existir, não tive pretensões.
Mas aí, apereceu!
Poderia até ser "flauberiana"; e complementar:
“Foi como uma aparicão”!
O salão era iluminado por apenas duas luzes fosqueadas e amarelas; sabia que não era minha melhor iluminação de vaidade, mas confortavam-me, além das pessoas, o âmbar das cascas de vidro sobre as mesas.
Finalizando alguma melodia, estava ele, compenetrado em seu existir.
Em meu primeiro passo, seu olhar compenetrou ao meu, e as famosas borboletas começaram a surgir.
Esse formigamento chegara em avalanche - embora poderosa dominância do meu ser - incômodas e curiosas eram as tremedeiras em meus membros.
— "quem é?", perguntara ininterrúmpidamente às minhas amigas de bar, sinalizando meu interesse escancarado ao homem barbudo, de olhar compenetrado. Sabia eu que ali havia algo.
Indagara ao meu próprio ser: “como poderia querer estar com o corpo, a pele, o ar, o sexo, colado naquele ser desconhecido?”
Ressabiada, permaneci em posição de defesa.
Não dele. Do próprio ambiente, que mesmo já familiarizada, requisitava de mim um comportamento até mesmo hostil, truncado.
A incógnita desafiara meu ego. Minha ética.
Sentira no ardor da epiderme, o desejo da alma, e jamais deixaria a falsidade que muitas vezes fora necessària, aparecer.
Permaneci inebriada por sua voz, seu toque.
— Ah! Como idealizei que meu corpo deslizasse em seus dedos. Tal qual uma corda em seu dedilhar.
Desnuda, de qualquer cerimonia, prontifiquei num pedido educado minha maior verdade; aquela que entrelaça o sentimento e amarrata a ancestralidade.
— "Moço, você pode tocar Nenhum de nós? Astronauta de mármore?”
Meu requerimento não fora recebido de supetão, e sim, com alívio do aconchego de uma trama peluciada; que acalantara tanto a mim quanto à ele; em nossas vivências de nossos próprios eu líricos.
Incandescemos-nos após, no flamejar do conhecimento mais profundo do amar, e nessa noite não houve temor ao fogo.