Mais um heroi
MAIS UM HERÓI NA RUA CARLOS DE CAMPOS
Lendo a crônica do Laércio, em que ele se refere a alguns heróis da rua Carlos de Campos, não posso reprimir esse impulso de acrescentar a essa galeria de sonhos o seu mais novo integrante.
Falo de alguém a quem a vida não propiciou muitas oportunidades de vivê-la em seu esplendor e alegria; ao contrário, sempre de forma inexplicável e madrasta, colocou em seu caminho grandes provações.
Nascimento problemático, cercado de cuidados especiais desde a mais tenra idade, pouco podia se expor em brincadeiras com os da sua idade, pois acabaria levando a pior. Na escola, quase nada conseguiu avançar pois muito cedo já se manifestava um problema adicional que tolhia a sua capacidade de aprendizado formal. Os médicos diziam que tinha o sistema nervoso abalado. Os professores afirmavam que não adiantava enviá-lo à escola pois ele jamais aprenderia.
Na verdade, era simplesmente um predestinado, uma pessoa que estava muito à frente do seu tempo, com uma missão específica e cujos conhecimentos e capacidades estavam e iriam se manter muito além da compreensão das pessoas ditas “normais”.
Teve profissão, e também aí a sua trajetória foi marcada por humilhações, repreensões e muito pouco reconhecimento. Durante 14 anos, trabalhou pesado e mesmo quando relatava as “broncas” recebidas dos superiores, o fazia sem qualquer rancor ou mágoa. Apenas contava... Parecia até se divertir com o próprio infortúnio, pois tinha essa capacidade que só os espíritos superiores têm de só registrar o lado positivo das coisas.
Teve todas as restrições de saúde que se pode imaginar. Incapacitado de se mover com os próprios esforços por longos anos. Nem por isso se queixava ou maldizia o seu destino. Ao contrário, transmitia uma alegria quase inexplicável e que, hoje sabemos, vinha dessa sua grandeza interior.
Teve o amor dos pais, e de forma intensa. Tantas foram as vezes que o seu pai brigou com quem ousasse se referir a ele como uma pessoa menos capacitada e, de fato, conseguiu remover montanhas para que sua vida fosse menos dolorosa. Sua mãe, tinha como preocupação principal o seu estado de saúde e o seu futuro e foram muitas as noites de sono perdidas, em reflexões sobre esse amanhã tão incerto.
Amores, se os teve, jamais conseguiu concretizar. Não escondia uma admiração intensa que sentia pela Doutora Elenice. Seu coração carente de afeto e sua alma pura, facilmente confundiam qualquer gesto de carinho. Pensando bem, ele certamente amou muito, em pensamentos nos seus dias aparentemente vazios e rebuscou migalhas de carinho que lhe eram atiradas de vez em quando, transformando-as em sementes de esperança com as quais se alimentou até o final.
Ele foi e é um grande herói e não apenas da Rua Carlos de Campos, onde passou boa parte da vida. Um grande homem que à medida que foi perdendo em saúde e em vitalidade, foi ganhando em grandeza, em exemplo de resignação. Fico aquí pensando se não foi até mais que isso, se não foi um anjo, quase um santo. Se para ser um anjo é preciso de pureza de alma e total ausência de maldade, ele teve de sobra; se para chegar a santo é necessário sofrer toda sorte de provações, que outras lhe faltariam para merecer esse adjetivo ?
Amigos teve. Na verdade, ele só teve amigos. É impossível imaginar que pudesse existir alguém que o tivesse conhecido e não se lembrasse dele com condescendência.
Alguns o ajudaram muito, outros se aproximaram algumas vezes, muitos apenas passavam sob sua janela. Todos ele retinha na memória e se lembrava... Como num filme que se projetava à sua frente, era capaz de descrever detalhes de lugares nunca visitados, de gestos, de rostos que para muitos há muito estavam esquecidos. E lembrava tudo e todos, alimentando-se dessas lembranças e colorindo um mundo aparentemente cinzento.
Ele atravessou a inclemência dos desertos e sobreviveu com gotas esparsas, mergulhou nas profundezas dos oceanos e recobrou as forças com um sopro, esteve algumas vezes nos braços da morte e ressurgiu, como que para cumprir um pouco mais da trajetória que lhe cabia, de ser um elo a nos unir, de nos fazer ver um pouco mais que o seu exemplo de resignação, de sofrimento e apesar de tudo, de otimismo, não podia ter sido em vão.
Agora ele se foi, está novamente nos braços dos pais. Quem sabe lá onde esteja ainda possa lançar um olhar de piedade e desculpar-nos a todos nós outros, tão ocupados que sempre estivemos em viver que jamais conseguimos fazer-lhe algo de melhor. O que teria sido possível fazer? Continuo sem saber, tão pequena a minha capacidade de entender, mas total a certeza de que não lhe demos nem uma parte do que mereceu, pelo bem que nos fez e pela mensagem de amor e otimismo que nos legou.
Descanse em paz, meu irmão, meu herói.
Ao meu irmão Larci
Leonilson Rossi, Julho de 1999.
MAIS UM HERÓI NA RUA CARLOS DE CAMPOS
Lendo a crônica do Laércio, em que ele se refere a alguns heróis da rua Carlos de Campos, não posso reprimir esse impulso de acrescentar a essa galeria de sonhos o seu mais novo integrante.
Falo de alguém a quem a vida não propiciou muitas oportunidades de vivê-la em seu esplendor e alegria; ao contrário, sempre de forma inexplicável e madrasta, colocou em seu caminho grandes provações.
Nascimento problemático, cercado de cuidados especiais desde a mais tenra idade, pouco podia se expor em brincadeiras com os da sua idade, pois acabaria levando a pior. Na escola, quase nada conseguiu avançar pois muito cedo já se manifestava um problema adicional que tolhia a sua capacidade de aprendizado formal. Os médicos diziam que tinha o sistema nervoso abalado. Os professores afirmavam que não adiantava enviá-lo à escola pois ele jamais aprenderia.
Na verdade, era simplesmente um predestinado, uma pessoa que estava muito à frente do seu tempo, com uma missão específica e cujos conhecimentos e capacidades estavam e iriam se manter muito além da compreensão das pessoas ditas “normais”.
Teve profissão, e também aí a sua trajetória foi marcada por humilhações, repreensões e muito pouco reconhecimento. Durante 14 anos, trabalhou pesado e mesmo quando relatava as “broncas” recebidas dos superiores, o fazia sem qualquer rancor ou mágoa. Apenas contava... Parecia até se divertir com o próprio infortúnio, pois tinha essa capacidade que só os espíritos superiores têm de só registrar o lado positivo das coisas.
Teve todas as restrições de saúde que se pode imaginar. Incapacitado de se mover com os próprios esforços por longos anos. Nem por isso se queixava ou maldizia o seu destino. Ao contrário, transmitia uma alegria quase inexplicável e que, hoje sabemos, vinha dessa sua grandeza interior.
Teve o amor dos pais, e de forma intensa. Tantas foram as vezes que o seu pai brigou com quem ousasse se referir a ele como uma pessoa menos capacitada e, de fato, conseguiu remover montanhas para que sua vida fosse menos dolorosa. Sua mãe, tinha como preocupação principal o seu estado de saúde e o seu futuro e foram muitas as noites de sono perdidas, em reflexões sobre esse amanhã tão incerto.
Amores, se os teve, jamais conseguiu concretizar. Não escondia uma admiração intensa que sentia pela Doutora Elenice. Seu coração carente de afeto e sua alma pura, facilmente confundiam qualquer gesto de carinho. Pensando bem, ele certamente amou muito, em pensamentos nos seus dias aparentemente vazios e rebuscou migalhas de carinho que lhe eram atiradas de vez em quando, transformando-as em sementes de esperança com as quais se alimentou até o final.
Ele foi e é um grande herói e não apenas da Rua Carlos de Campos, onde passou boa parte da vida. Um grande homem que à medida que foi perdendo em saúde e em vitalidade, foi ganhando em grandeza, em exemplo de resignação. Fico aquí pensando se não foi até mais que isso, se não foi um anjo, quase um santo. Se para ser um anjo é preciso de pureza de alma e total ausência de maldade, ele teve de sobra; se para chegar a santo é necessário sofrer toda sorte de provações, que outras lhe faltariam para merecer esse adjetivo ?
Amigos teve. Na verdade, ele só teve amigos. É impossível imaginar que pudesse existir alguém que o tivesse conhecido e não se lembrasse dele com condescendência.
Alguns o ajudaram muito, outros se aproximaram algumas vezes, muitos apenas passavam sob sua janela. Todos ele retinha na memória e se lembrava... Como num filme que se projetava à sua frente, era capaz de descrever detalhes de lugares nunca visitados, de gestos, de rostos que para muitos há muito estavam esquecidos. E lembrava tudo e todos, alimentando-se dessas lembranças e colorindo um mundo aparentemente cinzento.
Ele atravessou a inclemência dos desertos e sobreviveu com gotas esparsas, mergulhou nas profundezas dos oceanos e recobrou as forças com um sopro, esteve algumas vezes nos braços da morte e ressurgiu, como que para cumprir um pouco mais da trajetória que lhe cabia, de ser um elo a nos unir, de nos fazer ver um pouco mais que o seu exemplo de resignação, de sofrimento e apesar de tudo, de otimismo, não podia ter sido em vão.
Agora ele se foi, está novamente nos braços dos pais. Quem sabe lá onde esteja ainda possa lançar um olhar de piedade e desculpar-nos a todos nós outros, tão ocupados que sempre estivemos em viver que jamais conseguimos fazer-lhe algo de melhor. O que teria sido possível fazer? Continuo sem saber, tão pequena a minha capacidade de entender, mas total a certeza de que não lhe demos nem uma parte do que mereceu, pelo bem que nos fez e pela mensagem de amor e otimismo que nos legou.
Descanse em paz, meu irmão, meu herói.
Ao meu irmão Larci
Leonilson Rossi, Julho de 1999.