O que aprendí com meu pai
Lendo o livro com esse título que ganhei recentemente, deu vontade de registrar pelo menos 2 episódios entre tantos que poderia indicar o seu Étore como fonte de aprendizado e exemplo.
Exceder?
Ir além?
O verdadeiro vencedor é aquele que não acredita em limitações?
Apesar das circunstâncias contrárias e barreiras aparentemente intransponíveis, segue em frente?
Se esses são princípios válidos, como quero acreditar que de fato são, então essa certeza começou com as lições que aprendi com meu pai.
1. Juiz de Menores?
Aos 12, eu já trabalhava há 1 ano no Cortume Cantúsio. Certo dia chegou um fiscal (seria isso mesmo ou era apenas o advogado do Cortume numa visita periódica?) dizendo que eu não poderia continuar ali, que era muito jovem para trabalhar e que juntasse minhas coisas e voltasse imediatamente para casa.
Lembro do meu desconcerto pela decepção que iria causar ao meu pai, chegando no meio da tarde e sem saber direito porque, dizendo que não poderia seguir trabalhando...
Pois ele se mostrou muito sereno e tranqüilo, como sempre. Assumiu a situação como se já a previsse e foi até o Cortume, que ficava só a 2 quadras da nossa casa. Voltou tranqüilo...
Eu não me lembro de ter visto o seu Étore com semblante menos sereno ou mais apreensivo. Ele transmitia a certeza total de que tudo sempre estava sob controle...
Só me disse que em alguns dias iríamos falar com o Juiz de Menores de Campinas!!! Pra mim, juizado de menores era uma expressão estranha, tinha a ver com infrações, jovens que cometiam delitos e ali ficavam retidos até que completassem 18 anos...
Lá fomos nós. Fiquei esperando por uns 15 minutos e meu pai conversando com o tal Juiz. Mais uma vez a sua face serena me tranqüilizou e só me disse que “o doutor” queria falar comigo.
Entre outras coisas, queria saber se eu também concordava que o ambiente em meio aos profissionais do escritório do Cortume era como que um complemento da Escola, para onde eu ia à noite. Como eu me sentia trabalhando assim tão menino?
Juro que não me lembro o que disse ao Juiz ou o que não disse, pois eu ainda sentia muita falta dos meus amigos nas tardes de bola, birola, peão e as ocasionais aulas de “catecismo”(os homens de mais de 50 anos sabem a que eu me refiro).
O fato é que ele me liberou para trabalhar e eu passei a ser o primeiro caso na cidade de Campinas aos 12 anos, a ter uma carteira profissional regularizada.
Hoje, e de há muito tempo, boa parte do meu desempenho profissional é devido a essa experiência que começou muito cedo. Aprendi com meu pai...
2. O poder da determinação
Aos 17 para 18 anos, a vida de um adolescente pode ser um emaranhado de expectativas indefinidas, dúvidas existenciais e vontades contraditórias. Pelo menos para mim foi assim. Felizmente hoje eu vejo o Renato atravessando o mesmo período muito mais seguro e determinado do que eu fui.
Mas, voltando àquele jovem inseguro e confuso : por influência de dois grandes amigos da época da “Escolinha do Carlão” que era como chamávamos a Escola Técnica de Comércio da Vila Industrial, fiz vestibular para Economia em Jundiaí e comecei a estudar lá. Primeiros dias, tudo muito estranho mas razoável, trote, sala enorme com centenas de caras novas, ônibus que eu tomava no centro da cidade e após o curso de Inglês, portanto sem tempo para jantar.
Retorno para casa mais de meia noite, dia seguinte mesma rotina a partir das 6 de la matina, não tinha mais tempo para ver a Lúcia, que entrara na Católica... Logo vi que tinha cometido um grande erro, mas como repará-lo? Como voltar atrás , se todos os vestibulares já tinham se encerrado, se as faculdades já tinham começado, se a PUC, que na época ainda era UC e que agora se transformara no objeto de desejo desesperado de voltar atrás no tempo, já havia me dado um sonoro NÃO quanto tentei a transferência?
Isso me custou noites de sono, dias de desânimo, sensação de derrota. Meu pai notou e veio conversar comigo, sempre com seu jeito de sábio e sabedor de todas as coisas. A tranqüilidade e confiança dele , naquele momento, chegou a me irritar.
Será que ele não entendia a gravidade da situação? Como podia ser que o meu pai não se sensibilizava com o meu problema? Por que será que ele não se desesperava junto comigo? Muito ao contrário, partiu para a ação: quis saber quem era Diretor da Universidade Católica. “Pai, não é Diretor, é reitor e ele nunca vai recebê-lo. Além disso, o que o senhor vai falar com ele?”
Indiferente à minha descrença, lá fomos nós para o Pátio dos Leões. A secretária nos recebeu e perguntou se tínhamos marcado hora e se eu era aluno. Nem uma coisa nem outra...
Meu pai apenas disse que a conversa com ele seria muito rápida e que não se importava de esperar para que ele nos recebesse. Passados alguns minutos, ele entrou sozinho.
Não tenho certeza porque foi que não entrei junto, mas talvez tenha sido por não querer assistir à lição que o Reitor daria no meu pai: afinal onde já se viu pedir transferência para alguém que nem vestibular ali havia feito? Passar por cima das determinações da Secretaria do Curso de Economia? Acho que eu não queria assistir o meu pai sendo humilhado...
Dez minutos se passam e eis meu pai saindo da sala do Reitor com um papel na mão e uma mensagem clara: que eu fosse naquela mesma tarde para Jundiaí obter a guia de transferência, providenciasse outros documentos, apresentasse aquela autorização especial do Reitor na Secretaria de Economia, pagasse a matrícula e já estaria apto a juntar-me à turma na mesma noite.
Foi indescritível a minha surpresa e não dá para medir a alegria que se apossou de mim naquele momento. Foi como se eu tirasse dos meus ombros toneladas de um peso quase impossível de carregar e o meu cérebro e meu coração se encheram de uma satisfação que eu julgava que nunca mais teria.
Até hoje eu não sei exatamente o que foi que ele argumentou... Quando penso nisso, só concluo que o Reitor se rendeu à determinação, a coragem e a certeza de obter o que ele foi buscar.
Ainda estou buscando essa segurança. Talvez até para meus filhos eu consiga fazer coisas parecidas. Mas se o faço de vez em quando, foi só porque aprendi com o meu pai...
Leonilson Rossi, Dezembro de 2007
Lendo o livro com esse título que ganhei recentemente, deu vontade de registrar pelo menos 2 episódios entre tantos que poderia indicar o seu Étore como fonte de aprendizado e exemplo.
Exceder?
Ir além?
O verdadeiro vencedor é aquele que não acredita em limitações?
Apesar das circunstâncias contrárias e barreiras aparentemente intransponíveis, segue em frente?
Se esses são princípios válidos, como quero acreditar que de fato são, então essa certeza começou com as lições que aprendi com meu pai.
1. Juiz de Menores?
Aos 12, eu já trabalhava há 1 ano no Cortume Cantúsio. Certo dia chegou um fiscal (seria isso mesmo ou era apenas o advogado do Cortume numa visita periódica?) dizendo que eu não poderia continuar ali, que era muito jovem para trabalhar e que juntasse minhas coisas e voltasse imediatamente para casa.
Lembro do meu desconcerto pela decepção que iria causar ao meu pai, chegando no meio da tarde e sem saber direito porque, dizendo que não poderia seguir trabalhando...
Pois ele se mostrou muito sereno e tranqüilo, como sempre. Assumiu a situação como se já a previsse e foi até o Cortume, que ficava só a 2 quadras da nossa casa. Voltou tranqüilo...
Eu não me lembro de ter visto o seu Étore com semblante menos sereno ou mais apreensivo. Ele transmitia a certeza total de que tudo sempre estava sob controle...
Só me disse que em alguns dias iríamos falar com o Juiz de Menores de Campinas!!! Pra mim, juizado de menores era uma expressão estranha, tinha a ver com infrações, jovens que cometiam delitos e ali ficavam retidos até que completassem 18 anos...
Lá fomos nós. Fiquei esperando por uns 15 minutos e meu pai conversando com o tal Juiz. Mais uma vez a sua face serena me tranqüilizou e só me disse que “o doutor” queria falar comigo.
Entre outras coisas, queria saber se eu também concordava que o ambiente em meio aos profissionais do escritório do Cortume era como que um complemento da Escola, para onde eu ia à noite. Como eu me sentia trabalhando assim tão menino?
Juro que não me lembro o que disse ao Juiz ou o que não disse, pois eu ainda sentia muita falta dos meus amigos nas tardes de bola, birola, peão e as ocasionais aulas de “catecismo”(os homens de mais de 50 anos sabem a que eu me refiro).
O fato é que ele me liberou para trabalhar e eu passei a ser o primeiro caso na cidade de Campinas aos 12 anos, a ter uma carteira profissional regularizada.
Hoje, e de há muito tempo, boa parte do meu desempenho profissional é devido a essa experiência que começou muito cedo. Aprendi com meu pai...
2. O poder da determinação
Aos 17 para 18 anos, a vida de um adolescente pode ser um emaranhado de expectativas indefinidas, dúvidas existenciais e vontades contraditórias. Pelo menos para mim foi assim. Felizmente hoje eu vejo o Renato atravessando o mesmo período muito mais seguro e determinado do que eu fui.
Mas, voltando àquele jovem inseguro e confuso : por influência de dois grandes amigos da época da “Escolinha do Carlão” que era como chamávamos a Escola Técnica de Comércio da Vila Industrial, fiz vestibular para Economia em Jundiaí e comecei a estudar lá. Primeiros dias, tudo muito estranho mas razoável, trote, sala enorme com centenas de caras novas, ônibus que eu tomava no centro da cidade e após o curso de Inglês, portanto sem tempo para jantar.
Retorno para casa mais de meia noite, dia seguinte mesma rotina a partir das 6 de la matina, não tinha mais tempo para ver a Lúcia, que entrara na Católica... Logo vi que tinha cometido um grande erro, mas como repará-lo? Como voltar atrás , se todos os vestibulares já tinham se encerrado, se as faculdades já tinham começado, se a PUC, que na época ainda era UC e que agora se transformara no objeto de desejo desesperado de voltar atrás no tempo, já havia me dado um sonoro NÃO quanto tentei a transferência?
Isso me custou noites de sono, dias de desânimo, sensação de derrota. Meu pai notou e veio conversar comigo, sempre com seu jeito de sábio e sabedor de todas as coisas. A tranqüilidade e confiança dele , naquele momento, chegou a me irritar.
Será que ele não entendia a gravidade da situação? Como podia ser que o meu pai não se sensibilizava com o meu problema? Por que será que ele não se desesperava junto comigo? Muito ao contrário, partiu para a ação: quis saber quem era Diretor da Universidade Católica. “Pai, não é Diretor, é reitor e ele nunca vai recebê-lo. Além disso, o que o senhor vai falar com ele?”
Indiferente à minha descrença, lá fomos nós para o Pátio dos Leões. A secretária nos recebeu e perguntou se tínhamos marcado hora e se eu era aluno. Nem uma coisa nem outra...
Meu pai apenas disse que a conversa com ele seria muito rápida e que não se importava de esperar para que ele nos recebesse. Passados alguns minutos, ele entrou sozinho.
Não tenho certeza porque foi que não entrei junto, mas talvez tenha sido por não querer assistir à lição que o Reitor daria no meu pai: afinal onde já se viu pedir transferência para alguém que nem vestibular ali havia feito? Passar por cima das determinações da Secretaria do Curso de Economia? Acho que eu não queria assistir o meu pai sendo humilhado...
Dez minutos se passam e eis meu pai saindo da sala do Reitor com um papel na mão e uma mensagem clara: que eu fosse naquela mesma tarde para Jundiaí obter a guia de transferência, providenciasse outros documentos, apresentasse aquela autorização especial do Reitor na Secretaria de Economia, pagasse a matrícula e já estaria apto a juntar-me à turma na mesma noite.
Foi indescritível a minha surpresa e não dá para medir a alegria que se apossou de mim naquele momento. Foi como se eu tirasse dos meus ombros toneladas de um peso quase impossível de carregar e o meu cérebro e meu coração se encheram de uma satisfação que eu julgava que nunca mais teria.
Até hoje eu não sei exatamente o que foi que ele argumentou... Quando penso nisso, só concluo que o Reitor se rendeu à determinação, a coragem e a certeza de obter o que ele foi buscar.
Ainda estou buscando essa segurança. Talvez até para meus filhos eu consiga fazer coisas parecidas. Mas se o faço de vez em quando, foi só porque aprendi com o meu pai...
Leonilson Rossi, Dezembro de 2007