Rubem Braga

 

 

Uma crônica de Rubem Braga sobre pessoas que partem e amores que findam

Mestre das letras que consagrou o gênero literário tinha 54 anos quando escreveu essa breve obra-prima

 

 

Rubem Braga

Uma crônica de Rubem Braga sobre pessoas que partem e amores que findam

 

 

“Despedida” foi publicada pela primeira vez em livro em “A traição das elegantes”, da Editora Sabiá, no ano de 1967 (página 83). Uma obra-prima do mestre da crônica

 

 

FOTO:

Cadernos do escritor Rubem Braga guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa

Caderno do escritor Rubem Braga guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa, que cuida do seu acervo. Foto: reprodução

 

 

FONTE: ICL NOTÍCIAS

"Despedida

Rubem Braga

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

 

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

 

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

 

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

 

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

 

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo."

Monica da Costa
Enviado por Monica da Costa em 17/06/2024
Código do texto: T8087783
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