Um encontro.
Minha face no espelho não passava de um retrato borrado entre tantos álbuns lotados de tortas fotos. Muitas outras fotos. Estava em exposição tímida a minha aparência gélida. Estavam em retirada as tropas da guarda da minha consciência. Minha mente Já vagueava tão perdida, tão distante... Depois de haver construído cautelosamente ímpar castelo, o ideal racionalista, frio, numa severa solidão e penosa autodisciplina, depois de haver atingido certa tranqüilidade e altivez, tocava-me forte os períodos vespertinos, quando notava que, com um resquício de certeza, algo me faltava. Como a nota de um piano silenciosamente pronunciada sem a fila harmônica da oitava que queria acompanhá-la, a minha alma ansiava por algo que eu julgava não ser necessário.
Espetáculos de vida? Não havia idéia do que seriam. Sentimentos eram, apenas, coisas que se sentia... Iam e viam. Como as noites e dias, que passavam lentamente, e as vezes, rapidamente.
Porém, numa tarde... Numa bela tarde... Que não era noite, e nem dia, encontrei alguém, e ao mesmo tempo encontrei-me.
Meu Deus! Como era possível tal coisa? Encontrar-me e encontrar alguém? Sim... Foi possível na minha vida, como em todas as panes desse mundo, que o costumeiro, o consuetudinário, o conhecido e o normal tinham simplesmente por objeto permitir de quando em quando a pausa de um segundo de duração para dar lugar a este encontro... Era ela. Que havia sido de mim, que tivera sempre a mente alada da juventude e da poesia, o amigo da natureza, dos pensamentos, o viajante do mundo, o ardente idealista? Havia me deparado com uma criatura tão sublime. Tanto que fazia qualquer rancor contra mim mesmo e contra todos desaparecesse, e essa obstrução de todo sentimento negativo imperava dentro de mim. Ao mesmo tempo com uma luz tão quente e tão ardente que nada poderia fazer para contê-la. Tocado pela perplexidade e pela fascinação, tão logo me deixei desmaiar lentamente nesse sonho... Um sonho tão doce, como andar descalço sobre as nuvens e não ter medo de cair, algo vai me segurar.
Fazer visitas e imaginá-la nos meus braços era o que me fazia rir. A fera em meu interior arreganhava os dentes e ria-se também, mas mostrava-me com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação aos seus olhos de humano... Que aquilo não passava do que os seres humanos chamavam de um certo sentimento extinto. "Quem havia pregado-lhe tal peça? Não sabe, o pobre coitado, que está a se enveredar num caminho sem mapa, sem rumo certo!". Algo que não seria capaz de existir assim, tão facilmente e ser descoberto de maneira tão informal. Porém, aos olhos dessa mesma fera lupina, que sabia muito bem em seu coração o que lhe convinha, o discernimento aflorou. A luz o atingiu e ele sabia que também, como eu, não poderia fazer nada. Apenas mergulhar na fascinação por aquele ser... Sabia tão bem que acabou por perceber que não andaria mais cautelosamente sozinho no campo da imensidão da mente. Deveriam haver muitas pessoas no mundo. Mas nenhuma como ela. Mesmo que quisesse pensar na possibilidade de que seja algo que é comum a muitas pessoas, essa possibilidade dissipa-se facilmente, não por outrém, mas pela sua unidade peculiar, sua bondade.