Jorge, o Batuta
Por Sandra Fayad
No dia primeiro de setembro de 2006, ele completou noventa e um anos.
Sua trajetória de vida foi recheada de acontecimentos inéditos, grandes sacrifícios e trabalho, muito trabalho...
Como todos os homens de bem da sua geração, sempre primou pela responsabilidade e pela incansável luta, com o objetivo de proporcionar à família o melhor de si.
Assim é que desde os primeiros momentos da instalação da Capital Federal percebeu que poderia fixar-se aqui. Veio, como outros tantos, oferecer sua coragem, seu empenho e seu suor em troca da perspectiva de conforto e boa educação para os seus. As necessidades de alimentos e serviços dos trabalhadores instalados na nova capital eram muitas e ele, comerciante nato, vinha todas as semanas da cidade de Catalão, a trezentos e vinte quilômetros daqui, trazendo, em seu velho caminhão Ford 51, os alimentos encomendados e os que conseguia reunir, para atender às bocas trabalhadoras. Estrada de terra batida, com trechos esburacados e desbarrancados, temporadas de chuvas torrenciais, noites em claro, acidentes, nada disso tirava-lhe o ânimo.
Trouxe a família - esposa e seis filhos - primeiro para um barraco em Sobradinho, depois para outro no Cruzeiro. As condições precárias só o estimulavam a trabalhar mais e mais para conquistar o tão sonhado lugar ao sol. Feirante em vários locais, o primeiro a instalar-se no Cruzeiro Velho, deu tudo de si, solidarizou-se e compôs com outros feirantes, cedeu e negociou seus produtos, tendo como documento apenas a confiança, o fio da barba. Se não lhe pagavam era “porque não podiam”.
Fez grandes amigos, comprou a casa onde morou até o último dia de sua vida, reformou-a, construiu outros prédios com as próprias mãos em terrenos adquiridos no mesmo bairro, instalou seu comércio, trabalhando juntamente com a esposa dedicada e os filhos.
Lamentavelmente, Deus levou-lhe a companheira, no momento em que iam começar a colher os louros do trabalho árduo de tantos anos.
Mas em 06 de janeiro de 2007, (Dia de Santos Reis), da mesma forma, Deus o levou.
Estava feliz. Mas não pensem que pretendia parar por aí. Alimentava o sonho de ver publicado um livro, contando sua saga, recheada de estórias muito interessantes. Esperava viver até aos cem anos de idade, “porque ainda tenho muito a fazer”.
Texto de Sandra Fayad
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