Dia de luto por um amigo

Ontem, numa tarde cinzenta e chuvosa, recebi uma mensagem triste. O corpo de um amigo havia sido encontrado no mar. Logo em seguida pude ver o vídeo que os pescadores fizeram. Uma visão chocante, um corpo estirado ao chão, de bruços, vestindo uma camisa preta, e nu da cintura pra baixo. Aquela imagem me doeu por dentro.

Ele tinha nome, era Jeremias, servidor público, meu amigo.

Um homem que foi pescador a vida toda, nascido no mesmo mar que ontem se tornou seu sepulcro. Quarenta e poucos anos, tinha três filhos e três netos.

Eu o conheci há quatro anos atrás, foi colega de trabalho.

Ainda lembro de quando ele aparecia nos meus plantões, e geralmente eu estava lendo algum livro. Ele me perguntava se estava atrapalhando. Eu abaixava o livro, o olhava nos olhos e dizia que não. Eu sabia que ele queria conversar, então perguntava sobre o quê queria conversar. Eram milhares de assuntos diferentes. No fundo eu sabia que ele só desejava ser ouvido. E quando estava satisfeito, ia embora.

Ele era uma boa pessoa. Lembro que uma vez, era tarde da noite e eu não conhecia bem a cidade, então ele passou durante o meu plantão, e parou pra conversar. Falei com ele, que eu não jantava, mas naquele dia eu estava com fome. Ele me perguntou o que eu queria comer, falei que gostaria de um churrasquinho. Então lhe dei o dinheiro e ele buscou um pra mim. Insisti que comprasse um pra ele também, mas não aceitou.

Ultimamente eu não o via muito.

Ele andava deprimido, e sempre com o mesmo lamento. Dizendo que a ex-esposa tinha lhe traído, e ele não entendia o motivo. Ela já estava morando com o outro homem, um rapaz bem mais jovem que ele. Sempre repetindo que não entendia como uma pessoa acabava com um casamento assim, de mais de vinte anos. Sempre evitei dar a minha opinião durante os desabafos dele. Só falava pra ele seguir em frente.

Nesses últimos tempos, ele já estava entregue para a bebida. Diagnosticado com uma cirrose hepática grave, recusava-se a seguir o tratamento.

Por uma ironia, a última vez que o vi, ele estava sóbrio. Conversamos um pouco na calçada e ele foi embora.

Foi um choque ver ele naquele estado, no vídeo que foi divulgado. Foi reconhecido por sua irmã.

Não consegui ir ao velório.

Ele mesmo dizia que o mar era o seu lar. Não sabia que era assim que a vida dele iria terminar.

Essa noite não teve céu estrelado.

Foi uma noite triste e um dia nublado.

Meu amigo Jeremias Paz...

Descanse em paz!

Que Deus te receba nos braços, e te dê o descanso que tanto buscava.

Abreu Lima
Enviado por Abreu Lima em 21/10/2023
Código do texto: T7913957
Classificação de conteúdo: seguro