O ATEÍSMO E A DOR
Como a maioria das pessoas ateias, perdi a conta de quantas vezes me disseram que sou ateia porque sou infeliz e frustrada; que odeio deus porque minha vida é vazia e eu culpo deus por isso; que devo ter feito algum pedido que deus não atendeu e por isso me tornei sua inimiga; que não serei feliz nem um único dia da minha vida se não aceitar deus como verdadeiro... e por aí vai.
Primeiro acho engraçado, respondo que nada disso é verdade e que não odeio deus, apenas não acredito na existência dele. Mas acabo me ofendendo porque a pessoa invariavelmente não acredita em mim e insiste que sou uma infeliz frustrada ou me chama de satanista e sai “voando” como o pombo jogando xadrez. Não adianta nada dizer que o tal satã também é um deus e eu não acredito em deuses.
Para frustração das pessoas que pensam assim, há décadas descobri que eu sou uma tremenda de uma rabuda! Tive mais sorte do que muita gente cheia da grana porque tive e tenho tesouros que valem muito mais do que as maiores fortunas. Eu poderia usar páginas e páginas para relacionar minhas riquezas, mas vou resumi-las em três palavras, com a ressalva de que sobre cada uma delas também poderia escrever páginas e páginas relacionando nomes, fatos, lembranças. Coloco as três palavras em ordem alfabética porque não sou capaz de colocá-las em ordem de importância: Amizade, amor e família.
Dentre essa fortuna, pertencendo ao mesmo tempo às três palavras, tive a incrível sorte de encontrar uma das pessoas mais maravilhosas que já cruzou o meu caminho e de ser amada por ela. Essa pessoa maravilhosa foi minha amiga, minha cunhada e minha irmã muito amada, irmã que não nasceu da mesma mãe nem do mesmo pai mas que não é menos irmã por isso. E essa pessoa que tanto significa para mim, foi embora na última sexta-feira.
Sei que não preciso descrever o que sinto para quem já perdeu uma pessoa amada e que quem já passou por isso sabe que não há como descrever essa dor. Estou escrevendo esse texto para falar do ponto de vista de alguém que não tem o poder de encontrar conforto e consolo em deus ou na fé, como a maioria das pessoas fazem.
Eu choro. Chorei muito e estou chorando agora e sei que isso quem crê também faz quando perde alguém que ama. Eu penso nela. Lembro os momentos de amor e de alegria que dividimos, as tantas conversas, os tantos abraços, os tantos sorrisos e até as lágrimas que algumas vezes derramamos juntas e sei que isso quem crê em deus também faz quando perde alguém que ama. Essas são as duas reações à dor da perda, reações comuns à maioria das pessoas, sejam religiosas ou não.
Para consolo eu lembro que não fiquei devendo demonstrações nem palavras de amor e afeto. Faz bem ter a certeza de que ela sabia que eu a amo, que eu a amo muito! Acho que, mesmo entre as pessoas mais religiosas, não são tantas as que têm esse consolo, por isso me atrevo a dar conselho: não tenha receio nem vergonha de demonstrar amor, é um consolo muito grande saber que a pessoa que se foi sabia o quanto era amada. E a minha piquininha sabia!
Agora o consolo que eu tenho e as pessoas religiosas não têm é que eu sei que ela não sente nada; nenhuma dor, nenhuma saudade, nenhum medo, nenhuma dúvida, nenhuma ansiedade. Ela não vai sofrer nem mesmo se e quando alguém que ela amou sofrer. Ela amou muitas pessoas e se estivesse em algum lugar em que pudesse saber o que acontece com as pessoas que amava, ela sofreria por essas pessoas, ela sofreria se acontecesse alguma coisa ruim comigo. É bom saber que aconteça o que acontecer comigo daqui pra frente, ela não vai sofrer por mim.
E o outro grande consolo é saber que ela não será torturada por um julgamento e não corre nenhum risco de ser mandada para um inferno de dor nem para um “paraíso” de tédio. Eu estaria me sentindo muitíssimo pior se, mesmo que por um momento, acreditasse que existe um deus capaz de permitir que pessoas boas sofram e que, ao mesmo tempo, se sente no direito de julgar a minha piquininha.
Eu não digo “Descanse em paz” para ela porque sei que ela já descansou. É bom saber disso!