Josina da Silva Fagundes (Voína)
Nascida Josina da Rocha e Silva na cidade de Ituaçu–BA em 1875, foi uma entre os 6 filhos de Licínio Cypriano da Silva (1850-1891) e Maria Bernardina da Rocha e Silva (1852-1892). Seus irmãos foram Augusta da Rocha e Silva (1875-1984), Cassiana da Rocha e Silva (1877-?), Rita da Rocha e Silva (1879-?), Dedeza (apelido) da Rocha e Silva (1880-?) e Júlio da Rocha e Silva (1890-1975). Adotou o nome de Josina da Silva Fagundes após o seu casamento com Manoel Archimino Fagundes de Souza (1874-1915) em 29 de abril de 1897. Ficou conhecida por todos como Dona Josina e pelos familiares como “Voína”.
Josina ficou viúva ainda muito jovem no ano de 1915 e teve que criar sozinha seus quatro filhos: Alcides da Silva Fagundes (1898-1969), Bernardo da Silva Fagundes (1900-1974), Lício da Silva Fagundes (?) e Antonio da Silva Fagundes (1907-1993), enfrentando todas as dificuldades de uma mulher sozinha em uma sociedade machista e patriarcal.
José Onildo Fagundes Marques (1989) descreveu poeticamente a sua “valentia”, por conta das suas atitudes corajosas, sempre em defesa dos filhos e disposta a usar uma arma, se assim fosse necessário.
É importante salientar o papel histórico que “Voína” teve para a Filarmônica Primavera ao longo da vida: primeiro ao incentivar os seus filhos a fazer parte da Filarmônica, segundo porque em 1928 ela fez uma intervenção junto à polícia local, para que a banda pudesse tocar na Festa do Divino.
O poeta José Onildo Fagundes Marques sempre conta uma das histórias de bravura que envolveram Voína, a polícia local e a Sociedade Lítero Musical Primavera, no período da Festa do Divino de 1928, mesmo ano das eleições locais:
“Tinha acontecido um "barulho" em Monte Alegre, atual Mirante, onde jagunços haviam atacado a casa de Luiz Santos, um dos chefes políticos do lugar, que resistiu sozinho e segurou os homens até a chegada da polícia. Por ser Luiz, adversário de Júlio e Silva, Ioiô Macedo e Alcides Fagundes e por contar com um cabra deles na confusão, espalharam um boato que os mandantes foram os nossos cidadãos. A polícia abriu inquérito e os indiciou.
Mais adiante, por ocasião do casamento de D. Mocinha e Zé Lago, que tocavam parentescos com os líderes da oposição, foi proibido ao sargento Cardoso, chefe de polícia local, de dançar portando armas, contrariando assim a autoridade e fortalecendo ainda mais a desavença entre a polícia e os chefes envolvidos no processo, mas armado o sargento não dançou.
Por fim, veio a chamada gota d 'água, a discussão do músico Valdomiro Sá com o sargento Cardoso, que irritado quis prender o clarinetista da Filarmônica. Mestre Nadinho interveio a seu favor e quase foi agredido. Antonio Fagundes, veio logo em auxílio do Mestre e, ao sacar a arma, uma adaga, para defender o seu irmão, percebeu que um dos soldados roçava-lhe as costas com o cano da arma, Alcides Fagundes, conhecido mais por Seu Cidinho, interveio em favor de seus dois irmãos e a briga teve lugar, rolou na poeira da praça músicos e soldados.
Talvez tão somente pela providência divina, a luz elétrica que só desligava às onze, resolveu apagar mais cedo e sem nenhuma visibilidade foi adiado o confronto e os músicos, que moravam quase todos na parte alta da cidade, encontraram abrigo na cabeceira da ponte velha, onde existiam muitas pedras e ofereciam trincheiras naturais. Bons de bala com eram de música, ficaram lá até a madrugada esperando pela polícia, mas o comandante, prevenido de que eles não temeriam represália e atirariam mesmo, adiou o encontro.
No dia seguinte, a polícia saiu na tentativa de prender alguns, agora mais reforçada e contando com a individualidade dos músicos, era mais fácil. Cercaram a casa do Coronel Saturnino, Ioio Macêdo, como era conhecido, e o mantiveram lá. Antonio Fagundes, Mestre Nadinho e seu quarto irmão, Licinho, tiveram que, às pressas, abandonar a cidade e foragiram-se no Tarugo. Júlio e Silva resistiu e mandou a polícia ir embora à bala. Parecia acabada para os músicos e para a oposição local a festa daquele ano. Como era tradição que a Filarmônica tocasse nas alvoradas, julgou o chefe de polícia que, se não os tinha prendido, ao menos os via desmoralizados.
Porém, ao tomar conhecimento da balbúrdia, Voína, mãe dos irmãos foragidos, mandou buscá-los, juntou o resto do grupo, colocou a repetição debaixo do chale e levou a Filarmônica para tocar na porta do quartel. Os músicos fizeram a alvorada, sim, tocaram o dobrado Ubaldo Dantas e se o sargento, chefe do Destacamento, estava lá, tratou de arrumar uma diligência de última hora e não deu as caras.
NOTA: As eleições aconteceram, na verdade, em novembro de 1927, quando o candidato da oposição Cel. Júlio da Rocha e Silva, venceu com maioria dos votos o então candidato da situação, Antônio de Macêdo. Porém, naquela época, como no tempo do Império, mandavam-se as atas das eleições e dentre os mais votados, o Senado escolhia o intendente. Naquele tempo, bem pouco valia o exercício do voto e o escolhido foi mesmo o candidato da situação”. (MARQUES, 1989)
Quando a Filarmônica Primavera foi criada em Poções–BA, ser músico era um sinônimo de prestígio social, já que podiam frequentar os eventos sociais e participar das diversas apresentações musicais para a alta sociedade. Voína viu 3 dos seus 4 filhos fazendo parte da Filarmônica, sendo eles: Bernardo da Silva Fagundes, Antonio da Silva Fagundes e Alcides da Silva Fagundes.
Na década de 1920, os três irmãos abrilhantaram a nossa banda de música, participando do evento conturbado de 1928, narrado brilhantemente por José Onildo Fagundes Marques em um de seus livros.
Esta belíssima história contada por José Onildo mostra, não só, a proteção de uma mãe com os seus filhos, mas também os percalços sofridos na trajetória da Sociedade Lítero Musical Primavera, que refletia a realidade das diversas filarmônicas brasileiras. Querendo ou não, acabavam se envolvendo com a triste realidade das disputas políticas, principalmente no interior do país, além de sofrerem diversas interferências dos detentores do poder constituído. Já era possível presenciar as perseguições políticas pelo fato dos músicos da Filarmônica manifestarem uma opinião contrária aos grupos dominantes.
Mas, mesmo neste cenário, Josina da Silva Fagundes se mostrou uma mulher forte e de vanguarda para o seu tempo, compreendendo que a música, independente de quaisquer manipulações políticas, funciona como um bálsamo no caminho da paz. Não tocou nenhum instrumento, mas com a sua repetição (arma) escondida debaixo do inseparável xale, conseguiu reger a Sociedade Lítero Musical Primavera contra os abusos do poder constituído numa época em que a mulher não tinha sequer o direito ao voto.
Referência:
MARQUES, José Onildo Fagundes. Poções, uma terra divina. Publicado em maio de 1989. (Obs: Este livro é um dos meus favoritos e um presente que José Onildo deu à cidade de Poções).