Bernardo da Silva Fagundes “Mestre Nadinho” (1900 - 1974)

Bernardo da Silva Fagundes ficou conhecido carinhosamente pela população de Poções como "Mestre Nadinho", por conta da sua atuação como maestro da Lítero Primavera de 1917 a 1974. Este feito o colocou no rol dos membros que permaneceu mais tempo na Filarmônica, ao lado do seu irmão mais novo, Antonio da Silva Fagundes. Assumiu a regência e o ensino de música no ano de 1917, com apenas 17 anos, onde continuou até 1974. Ricardo Benedictis (2006) escreveu no site “Recanto das Letras” um texto muito bonito sobre o Mestre Nadinho. Nesse texto ele diz que:

"O Mestre era muito competente e muito respeitado”. Baixinho, magrinho e dinâmico, morava numa casa humilde no Gravatá, confluência da rua de Morrinhos com a estrada que vai para o povoado de mesmo nome. Enquanto viveu, a banda sobreviveu. Era bonita e garbosa a sua filarmônica" (BENEDICTIS, 2006).

A grandeza do Mestre Nadinho não estava no seu porte físico, mas no seu talento para a música e no seu caráter. Dona Natália Borges (1917 - 2020), em novembro de 2019, disse que o maestro da Lítero Musical era querido por todos “como se fosse da família”. Mestre Nadinho tinha fama de brincalhão e contador de histórias que não faziam nenhum sentido, apenas para divertir as pessoas. Benedictis (2006) traz uma dessas histórias:

“Destes poucos músicos, contam-se alguns fatos que merecem registro. Um deles era sobre o Mestre Nadinho que dizia saber fazer de tudo. Até que um dia, cansado de ouvir os fenômenos do Maestro, um cidadão indagou-lhe:

- Ora, Mestre, se o senhor sabe tudo mesmo, por acaso já fez alguma dentadura?

O mestre, impassível, arreganhou os beiços mostrando a sua dentadura postiça e batendo com as costas dos dedos nos dentes, respondeu com outra indagação:

- E esta aqui, quem foi que fez?

E sob olhar perplexo do interlocutor, completou:

- Foi Dega...

Dega era a maneira que o Mestre Nadinho tinha de se autodesignar” (BENEDICTIS, 2006).

Nas famosas rodas de conversa em família, iluminadas pelos candeeiros cheios de querosene, gostava de contar os seus famosos “causos”. Uma de suas histórias mais impressionantes foi sobre como aprisionou um bando de passarinhos que estavam descansando em uma árvore perto de sua casa. Se aproximou bem devagar, e, sem chamar a atenção dos pássaros, cortou a árvore em que eles estavam.

Assim, levou a árvore para dentro de casa, onde fechou em seguida todas as portas e janelas, impedindo a fuga dos pássaros. Ninguém acreditava nos “causos” do mestre, mas mesmo assim, ele acabava conseguindo a atenção de todos, que ouviam atentamente. Contava a mesma história sempre com um ar sério, como se tivesse realmente vivido aquilo. E se divertia todas as vezes com a cara de incredulidade das pessoas.

O Jornalista Fábio Ferreira Agra fez um documentário para a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, no ano de 2009, onde entrevistou algumas pessoas que tinham histórias para contar sobre a Filarmônica de Poções. O nome do documentário é "Lítero-Musical", que acabou cumprindo o papel de resgatar algumas memórias da Sociedade Lítero Musical Primavera (1911 - 1988). Nesse vídeo feito por Agra (2009), das quatro pessoas entrevistadas, somente três presenciaram as apresentações da Sociedade Lítero Musical Primavera em seus tempos áureos e puderam ver de perto a atuação do Mestre Nadinho como músico e maestro regente. Foram eles: Emanoel Campos de Sá, Manoel Gonçalves Pia (in memoriam) e Antonio José da Luz (in memoriam).

Manoel Gonçalves Pia (ex-trompetista da Lítero Primavera) disse durante a entrevista que começou a estudar música em 1969, tendo como professor o Mestre querido por todos. Era unânime entre os músicos de Poções que todos possuíram como referência de aprendizado o método deixado pela “artinha” do Mestre Nadinho.

Aquele método de ensino da música se mostrou muito eficiente, pois os mais dedicados desenvolveram uma boa leitura e execução das partituras musicais. Manoel Gonçalves Pia também falou com gratidão que o Mestre Nadinho “era um excelente músico e escrevia música muito bem”. Ele se referiu à escrita da partitura musical e arranjos elaborados para a Lítero Primavera. Entre os músicos das filarmônicas sempre existiu uma profunda admiração por aqueles que escrevem bem as partituras para os diversos instrumentos e elaboram belos arranjos musicais.

Antônio José da Luz (Tonhe Luz), um dos entrevistados por Fábio Ferreira Agra (2009), descreveu o Mestre Nadinho como “uma pessoa muito boa, muito paciente, que ajudou muito a Filarmônica de Poções”. Para ele, a cidade de Poções deve muito ao Mestre Nadinho por dedicar a sua vida a Sociedade Lítero Musical Primavera:

"Os músicos que aprenderam com ele foram bons músicos devido ao seu conhecimento do ensino da música e também à sua paciência, viveu para a música" – Antônio José da Luz (AGRA, 2009).

Para Tonhe Luz, cuidar do ensino da música, dos ensaios, dos arranjos, do cuidado com os instrumentos e partituras exigia muita paciência. Paciência, amor e método eficiente de ensino. Esses eram os segredos do Mestre Nadinho na construção das memórias musicais da cidade de Poções durante 57 anos. Percebe-se que a memória construída no entrevistado foi de como o Mestre Nadinho se dedicou ao ensino da música com extrema paciência e amor, apesar de não obter com a própria música o seu sustento.

Já Emanuel Campos de Sá (Nelito) o definiu como "uma pessoa boa e que tocava qualquer instrumento de sopro" (AGRA, 2009). O Mestre Nadinho desenvolveu a sua famosa “artinha” para ensinar teoria e solfejos aos alunos de música. A “artinha” nada mais era do que um caderno contendo solfejos (lições para treinamento de leitura das partituras) para que os seus alunos pudessem aprender música gradualmente. Nesse processo, teriam que passar pelo aprendizado da teoria musical e pelas lições chamadas de solfejos, onde pronunciavam os nomes dos símbolos em uma pauta musical, obedecendo notas e pausas.

Era sempre o Mestre quem decidia o momento de passar para a próxima lição, que só era possível após um bom domínio da leitura musical. Dominando toda a “artinha”, o aluno era contemplado com um instrumento, também escolhido pelo Mestre.

Após o falecimento do Mestre Nadinho, segundo Benedictis (2006):

(...) revezaram-se no comando Alcides Bordado (Trombone de Vara) e Antonio da Silva Fagundes (Contra-Baixo). A decadência da banda já era demasiada e desde 1986 deixou de existir uma das mais tradicionais bandas de música da Bahia, graças ao descaso das autoridades governamentais a todos os níveis, mas principalmente pelo desinteresse do povo poçoense, uma espécie de caricatura de mau gosto do povo que fez a cidade crescer e deu à Bahia nomes de indiscutível valor. (BENEDICTIS, 2006)

Nadinho chegou a compor várias músicas, mas a falta de preservação dos documentos e partituras da Lítero Musical Primavera fez com que todo aquele acervo musical fosse destruído pelo tempo. Destruídos, talvez, em alguma peça de madeira consumida por cupins ou atingida pelas chuvas e pelo tempo, sendo implacável com tudo.

Valdemi Matos (trombonista), me disse uma vez que o Mestre Nadinho compôs uma música intitulada “a Marcha do Divino”, para ser tocada, todos os anos, na Chegada das Bandeiras da Festa do Divino de Poções–BA. Para Valdemi, a Marcha do Divino "era muito bonita". Apesar de anos sem ouvir a famosa música, ele guardava na memória o nome e o período festivo em que ela era executada pela banda, tamanho o significado que isso teve para ele.

Pelos cantos de Poções, talvez em alguma estante, estão guardadas as lembranças de um passado bom. Onde a classe trabalhadora se reunia às noites para ensaiar a sua banda e construir memórias que nem o tempo, com toda a sua força, conseguiu apagar.

Referências:

AGRA, Fábio Ferreira. LÍTERO-MUSICAL. Direção e Produção de Fábio Ferreira Agra. Poções - BA, 2009;

BENEDICTIS, Ricardo de. Mestre Nadinho e a “Furiosa” Série: Figuras de Poções. 2006. Disponível em:https://www.recantodasletras.com.br/contos-minimalistas/39507. Acesso em: 5 nov. 2019.

Antonio Leandro Fagundes Sarno
Enviado por Antonio Leandro Fagundes Sarno em 30/11/2022
Reeditado em 15/02/2024
Código do texto: T7661147
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