AGBARA DUDU
Nos anos 80, toda sexta- feira à noite era o dia da negrada se encontrar no pagode da Quitanda e depois esticar até Madureira onde rolavam os ensaios do Bloco Afro Agbara Dudu na sua sede mais famosa ( Rua Ernesto Lobão, 44). Era época das famosas Noites da Beleza Negra, dos Ensaios de Rua Pré-Carnaval, dos Terreirões Senzala, enfim de
uma fase de autoafirmação da Consciência Negra em seu apogeu. Era um verdadeiro desfile de figuraças e tinha de tudo: do mais humilde faxineiro ao mais ilustre catedrático, fora os pretensos e posteriores políticos partidários de plantão. A minha comadre Vera Mendes era a cicerone- mor de todo Terreirão e comandava com um jeito bem organizado, sem gritos ou estresses uma galera imensa em cada detalhe ( ela parecia ter um computador na cabeça, pois lembrava-se de tudo e de todos como a sua mãe – a Tia Maria).
A casa relativamente pequena, geminada, com 2 quartos, sala, banheiro e cozinha que dava pros fundos do terreno onde tinha um outro banheiro minúsculo usado pelos homens e onde rolava o famoso terreirão. Era a maior concentração de negões por metro quadrado que se tem notícia no Rio. Ninguém sabia explicar como com tanto calor que se faz no Rio a
galera fazia questão de se apertar naquele espaço.
Num desses terreirões, um dia, aconteceu uma cena que me ficou gravada eternamente: Estávamos ensaiando para participarmos de uma ala na Escola de Samba Vila Isabel no Carnaval de 1988 e a rua estava literalmente lotada. Os atabaques e os outros instrumentos haviam sido colocados na parte da frente da casa e o som do vocal parte na
rua , parte no quintal . Era um fuzuê de gente que ficava difícil de transitar na calçada, pois no meio da rua o saudoso Hugo Tobias coordenava as coreografias ora dos homens, ora das mulheres , até fazermos todos juntos. O pessoal da percussão também não ficava atrás e o sonzão agitava o tempo todo. A Alcinéia Martins se revezava com a Néia Ramos, o Rubinho do Afro e a Dinha. Até então eram músicas novas e antigas que todos sabiam de cor, ou então acompanhavam pelos panfletos distribuídos pelo Ednaldo, mas uma delas levantava o povão e esta foi a cena que me impressionou:
O Gabriel Lopes havia dado espaço pro Beto e o Júlio Mendes, o outro percursionista, e mais um que não me lembro quem era e de repente a Alcinéia começou a cantar – “Arerê, Arerê rê ê ô , Agbara quando passa faz minha terra tremer...” , era o “hino” do Agbara. Gente que estava num bate papo voou para a rua, juntou –se a quem tinha suas coreografias, com quem sabia a letra, com quem estava na empolgação e até quem não sabia nada num burbulhão de levantar e abaixar de corpos só, daí uma expressão pode ser ouvida: - É o Gabriel que está tocando, eu conheço essa batida! E era desse jeito mesmo até ele cansar de tocar e o povo de dançar.
Naquele dia nós extrapolamos ainda mais pois um visitante ilustre deu o ar da graça. Seu nome? Martinho da Vila. Dá pra imaginar a cena, antes de um carnaval que seria ganho pela Vila?
Saudades Veroca !