Frágil Fortaleza
Recordo como se fosse hoje aquela casinha na rua de terra. Aquela árvore que nos acolhia tantas vezes numa sombra sempre vasta. A janela de madeira pintada com uma tinta já gasta, por mãos não tão hábeis, sempre nos reservava alguém acenando um adeus.
Chegar era sempre bom. O aconchegante cheiro daquela casa que comportou toda a nossa infância sempre nos trazia um sentimento de conforto. As horas que passávamos a fio com os pés descalços e as roupas sujas só respirando a vida daquele lugar, apenas sentindo o nosso peito dilatando por conta de tanto amor.
E lá dentro, o nosso maior e melhor bem.A nossa fortaleza. O nosso porto-seguro, inabalável. Que sempre nos recebia com os olhos cheios de força. Lágrima e força. Nada se comparava à muralha que nos envolvia nos braços, nem ao tremor compulsivo de nosso corpo quando a víamos, quando sentíamos em sua pele aquele cheiro de estrelas.
Hoje a doçura da infância já se perdeu dos meus olhos. As roupas raramente se sujam e as nossas pegadas outrora impressas na terra, cederam. A vida que se respira aqui é triste e distante. Os braços nunca mais se debruçaram sobre janela para dar boas vindas ou acenar um adeus.A nossa casa ficou vazia, isenta dos nossos passos apressados e dos risos que inundavam os corredores. E nosso peito só dilata tristeza, só emite uma dor muito aguda.
E ao abrir a porta, lá está o nosso império em força: tão delicada quanto uma louça fina que a qualquer minuto pode se romper. Aqueles olhos inundados pelo vigor só acumulam estranheza, melancolia e lembranças poucas. Os braços trazem feridas incuráveis, os dedos produzem desenhos intermináveis no ar.
Cada cômodo parece trazer um acorde fúnebre, como se tivéssemos ficado mortos lá dentro. Como se os nossos corpos infantes tivessem sido enterrados em cada canto da casa.
E hoje, aquele refúgio não tem mais o cheiro das estrelas, tem só um perfume de lírios murchos nas mãos enfraquecidas, tem só um céu vazio no peito.
Hoje nossa casa ficou vazia e a nossa fortaleza caiu.
À minha doce e eterna Maria.
(Talita Fernanda Sereia)